“Somos todos exorcistas"
"Em
meu nome expulsarão os demônios."
(Mc
16,17)
DO ATÉ AQUI EXPOSTO ficou claro que também os leigos
podem proceder a exorcismos, pelo menos em certas circunstâncias e sob certas
condições. O presente capítulo procura esclarecer qual a origem e o fundamento
teológico do poder exorcístico específico dos leigos, bem como as condições em
que legitima e eficazmente podem fazer uso dele.
Podem os
leigos exorcizar?
Possibilidade
teológica
A rigor, do ponto de vista teológico, nada impede
que um leigo possa proceder eficazmente a exorcismos, mesmo sobre possessos. A
explicação teológica já ficou insinuada acima, porém de modo fragmentário, pelo
que parece oportuno aprofundá-la aqui.
Já vimos como, nos primeiros tempos, fiéis que não
tinham recebido o caráter sacerdotal, nem tampouco carismas especiais,
procediam aos exorcismos batismais. Esses fiéis foram incorporados ao clero,
vindo a constituir a ordem menor dos exorcistas, e passando a exorcizar também
possessos; com o tempo, por uma série de razões históricas e disciplinares,
suas funções acabaram por ser absorvidas pelos sacerdotes, e o exorcistado,
embora continuando conferir um poder efetivo sobre o demônio, ficou reduzido
simples degrau para a recepção do sacerdócio, até ser abolido em 1972, junto
com as demais ordens menores. Com a reforma litúrgica de Paulo VI esse
ministério, relativamente aos exorcismos batismais, passou a ser novamente
confiado a leigos: os atuais catequistas e outros ministros extraordinários do
Batismo.
Num e noutro caso - isto é, no dos primitivos
exorcistas e no dos novos ministros extraordinários do Batismo — trata-se de
fiéis que, como ficou dito, não receberam a ordenação sacerdotal (no segundo,
esse ministério é confiado inclusive a mulheres), o que indica que tal
ordenação não é teologicamente necessária para que alguém possa proceder
eficazmente a exorcismos, mesmo em caráter oficial, isto é, em nome da Igreja.
Porém, não é a estes casos de pessoas delegadas pela
Igreja que queremos nos referir, pois se poderia pensar que sempre é necessária
alguma espécie de investidura eclesiástica para adquirir a capacidade teológica
para exorcizar o demônio. O que investigamos aqui é se o simples fiel, sem nenhuma
investidura oficial, tem poderes — teologicamente falando — para proceder
eficazmente aos exorcismos.
Poder dado pelo Batismo, pela Confirmação e pela
Eucaristia
O homem não tem nenhum poder natural sobre Satanás e
os espíritos infernais: se não fosse socorrido por Deus, ficaria inteiramente à
mercê do Maligno. E, de fato, pelo pecado original, todos nos tínhamos tornado
escravos dele. Nosso Senhor, na sua misericórdia, resgatou-nos da tirania do
demônio por sua morte de Cruz. E Ele que participemos de sua luta, assim como
nos associa ao seu triunfo. Isto se dá pelo Batismo, que nos
incorpora a Cristo e nos faz partícipes de sua luta e de sua vitória. Pois o
corpo participa de toda a vida da Cabeça. Eis aí o título fundamental que nos
faz exorcistas a todos os batizados.
É por isso que Dom Pellegrino Ernetti 0.S.B. —
exorcista da arquidiocese patriarcal de Veneza dá ao capítulo final de seu
livro o seguinte título: “Somos todos exorcistas “.
Escreve Dom Pellegrino: “As orações e o exorcismo
preventivo são inerentes ao próprio estado de ser cristão, enquanto batizado,
crismado e que vive a vida da Eucaristia. Do caráter batismal lhe provém já o
título de verdadeiro lutador contra Satanás. E a própria oração do Pai-Nosso
lhe confere o título válido para lutar em forma preventiva. O cristão não
somente tem o estrito dever de soldado e seguidor de Cristo, o qual veio á
terra para expulsar e destruir a obra do demônio, mas tem inclusive o direito
de participar nesta luta, direito sempre proveniente, seja do caráter batismal,
seja crismal, e, nutrido de Jesus na mesa eucarística, se torna sempre mais
forte para obter a vitória, juntamente com seu Rei e Vencedor, Cristo.
“Portanto: todos somos exorcistas, lutadores e
vencedores de Satanás! Como exorcista, o fiel no faz outra coisa senão
exercitar o seu jus nativum, consubstanciado no sacerdócio comum dos fiéis”.
(D. Pellegrino ERNETTI O.S.B., La Catechesi di Satana, pp. 245-246)
Teológicamente falando — e abstraindo igualmente de
carismas extraordinários —, todos os fiéis somos, pois, exorcistas, sem que
seja necessária nenhuma espécie de investidura eclesiástica para adquirir a
capacidade para exorcizar o demônio. Essa capacidade está in radice no Batismo,
que nos faz filhos de Deus, membros do Corpo Místico de que Cristo é a Cabeça;
e é reafirmada pela Confirmação, que nos faz soldados de Cristo e nos dá, junto
com o dever de lutar por Ele, a capacidade para tal combate; e é alimentada
pela Eucaristia.
Porém, esse poder exorcístico, por sábias razões de
prudência, está limitado pela leis da Igreja, como se verá a seguir.
Limitações canônicas
Se não existem empecilhos de natureza teológica para
que um leigo possa praticar exorcismos, ocorrem entretanto impedimentos de
natureza canônica, isto é, de lei positiva da Igreja.
O primeiro deles é a proibição de praticar
exorcismos sobre possessos, os quais, como ficou exposto anteriormente, são
reservados aos sacerdotes devidamente autorizados pelo respectivo bispo.
Outra restrição diz respeito ao emprego da fórmula
do chamado Exorcismo de Leão XIII, reservada para os bispos e sacerdotes
autorizados.
Os simples fiéis também não devem realizar sessões
de exorcismos nas quais se interpele diretamente o demônio, ainda que não se
trate de casos de possessão propriamente dita, desde que se suspeite de
presença demoníaca (CONGREGAÇÃO PARA A DOUTRINA DA FÉ, Carta aos Ordinários de
lugar, relembrando as normas vigentes sobre as exorcismos, 29 de setembro de
1985.)
Quando e
como os leigos podem exorcizar
Nas
infestações locais ou pessoais
Então os leigos ficam à mercê dos ataques do
demônio, já que não podem exorcizar os possessos?
De nenhum modo. Convém lembrar que a principal
defesa contra o demônio é a graça de Deus, que se recebe no Batismo e se
recupera na Confissão, sendo alimentada pelos sacramentos, sacramentais, boas
obras e vida de piedade. Portanto, mesmo que um leigo possa fazer exorcismos
sobre possessos, ele não está indefeso diante do demônio. É preciso recordar
ainda que a possessão, de si, não é um obstáculo à salvação nem à santificação
das pessoas, podendo mesmo ser uma provação útil para a vida espiritual da vítima,
ou de seus familiares e amigos e mesmo do próprio exorcista. Cabe considerar,
ainda, que a possessão não é a ofensiva extraordinária, mais freqüente do
demônio. Excetuando a tentação (que é uma ofensiva ordinária), os Autores dizem
que a ofensiva extraordinária mais corrente é a infestação tanto local como
pessoal. Eles dizem que é grande o número de pessoas que procuram os exorcistas
por estarem atormentadas pelo demônio, sem que, entretanto, se trate de casos
de possessão. E que se sentem aliviadas com exorcismos simples ou apenas com
bênçãos e outros remédios espirituais.
Ora, com relação à infestação local e mesmo pessoal,
não existe na legislação canônica nenhuma proibição: os leigos podem fazer
exorcismos privados, desde que não empreguem a fórmula do Exorcismo contra
Satanás e os anjos apóstatas (o chamado Exorcismo de Leão XIII), nem “se
interpele diretamente o demônio, e se procure conhecer sua identidade". E
o que adverte a Congregação para a Doutrina da Fé, no documento acima citado.
(CONGREGAÇÃO PARA A DOUTRINA DA FÉ, Doc, cit.)
Portanto, nos casos menos raros de ação demoníaca
extraordinária, isto é, nas infestações locais e nas pessoais, os fiéis não
estão indefesos, em decorrência da regulamentação dos exorcismos estabelecida
pelo Código de Direito Canônico e por documentos da Congregação para a Doutrina
da Fé. Além dos remédios gerais, ordinários, podem eles, com as cautelas
adiante indicadas, fazer uso do remédio extraordinário do exorcismo privado.
Para repelir as tentações e perturbações do demônio
Não é apenas em casos ou situações de certo modo
extremas, que os leigos são livres para proceder a exorcismos privados. Eles
os podem praticar preventivamente sempre que se sentirem tentados ou
perturbados pelo demônio.
É o que ensinam os moralistas e canonistas. Por
exemplo escreve o Pe. Felix M. CAPPELLO S.J.: “O exorcismo privado pode ser
realizado por todos os fiéis. Porque qualquer um pode, para repelir as
tentações ou perturbações do demônio, ordenar a ele, por Deus ou Jesus Cristo,
que não prejudique a si ou a outros. O efeito desse exorcismo não deriva da
autoridade e preces da Igreja, uma vez que não se faz em seu nome, mas somente
pela virtude do nome de Deus e Jesus Cristo”. (Felix M. CAPPELLO S.J..
Tractatus Canonico-Moralis DE SACRAMENTIS. p.84). No mesmo sentido escreve o
Pe. Marcelino ZALBA S.J.: “Exorcismos: ... privados imperativamente (pode ser
feito) por qualquer um, somente para coarctar a influência dos
demônios...”(Marcelino ZALBA S.J., Theologiae Moralis Compendium, p. 661).)
É igualmente o que diz o exorcista de Veneza, D.
Pellegrino Ernetti: “Para todas as outras atividades demoníacas acima elencadas
[tentações, infestações locais e pessoais], todos os batizados e crismados,
indistintamente, têm o munus e o dever de lutar juntamente com Jesus para
debelar o inimigo infernal”. (D. Pellegrino ERNETTI O.S,B., La Catechesi di
Satana, pp. 247-249.)
Em resumo: os simples fiéis podem, e até devem,
realizar exorcismos privados nas tentações ou infestações demoníacas; não,
porém, nos casos de possessão, pois os exorcismos sobre possessos são
reservados, como ficou afirmado, aos sacerdotes autorizados.
Evitar uso de fórmulas solenes e aparência de
carisma
Quanto ao modo de fazer os exorcismos, os leigos
devem evitar o uso das fórmulas do Ritual Romano, reservadas apenas aos
sacerdotes que receberam a devida licença do bispo, pois tal uso podia fazer
crer que se tenciona fazer os exorcismos em nome da Igreja, ou seja, que se
está investido de um mandato eclesiástico. É recomendada uma prudência
particular para evitar toda solenidade e formalidade, inclusive a forma
imperativa, sempre que isso possa fazer pensar que se trata de um carisma
extraordinário, pois isso poderia causar estranheza a muitos, dada a raridade
dos carismas hoje. É preciso precaver-se ainda contra o perigo do escândalo,
sobretudo nas possessões. Por isso, se se tratar de possessão diabólica do
corpo, relativamente à qual tal perigo de escândalo e abuso pode ser maior, os
fiéis devem abster-se de praticar os exorcismos (aliás, encontram-se proibidos
de o fazer pela lei da Igreja), devendo dirigir-se a um sacerdote; podem,
entretanto, fazer uma oração, pedindo a Deus - por intercessão de Nossa
Senhora, de São Miguel, dos anjos e dos santos — que libertem aquela pessoa do
domínio de Satanás e impeçam que o espírito maligno faça mal a outras pessoas.
Também nos casos de infestação local ou pessoal grave, em que a atuação do
demônio seja certa ou ao menos muito provável, ou haja manifestações
extraordinárias, será mais prudente abster-se da fórmula imperativa, ao fazer
exorcismos privados. O mais recomendável seria chamar igualmente um sacerdote,
sempre que possível.
Do mesmo modo, deve-se evitar qualquer procedimento
que possa dar a impressão de vã presunção nos próprios méritos. O Pe. Guillerme
Arendt (jesuíta belga, cuja orientação estamos seguindo neste item) observa que
uma ordem dada ao demônio por um simples fiel, em nome de Deus, com presunção
de êxito sem ter em conta a vontade divina, pode constituir uma tentação a
Deus, uma vez que é quase obrigá-Lo a interferir por respeito ao próprio Nome.
Mas quando não há essa presunção e se espera
unicamente em Deus e no poder do nome e da cruz de Cristo, então não há esse
perigo. Nesse caso, o que se está fazendo é apenas uma oração a Deus, que Ele
atenderá segundo seus augustos desígnios. Trata-se também de um ato
de fé e de esperança na promessa do Redentor de que aqueles que cressem teriam
o poder de expulsar os demônios.
Quando se tratar somente de repelir a tentação do
diabo pecar para pecar, é conveniente desprezar e calcar aos pés, pela virtude de
Cristo, a soberba diabólica, com exprobação imperativa, de modo que o inimigo
confundido seja posto em fuga em virtude de sua própria impotência. (Cf. 6.
ARENDT, De Sacramentalibus, n. 311 apud Mons. c. BALDUCCI, Gli Indemoniati, pp.
99-100.)
“Orações de libertação”
Cabe aqui uma palavra sobre as chamadas orações de
libertação.
“Orações de libertação — define Mons. Corrado
Balducci - são aquelas com as quais pedimos a Deus, à Virgem, a
São Miguel, aos Anjos e aos Santos sermos libertos das influências
maléficas de Satanás. São muito distintas dos exorcismos, nos quais nos
dirigimos ao diabo, ainda que em nome de Deus, da Virgem, etc.; distintas seja
pelo destinatário direto, seja obviamente pela modalidade, pelo tom:
deprecativo e suplicante no primeiro caso, imperativo e ameaçador no segundo”.
(Mons. C. BALDUCCI, El diablo, p. 261.)
Nessas orações, em vez de se impor ao demônio, em
nome de Jesus Cristo, que deixe aquela pessoa, aquele lugar, ou que cesse
aquela situação, implora-se a Deus que — pelos méritos de Nosso Senhor, pela
intercessão de Nossa Senhora, dos Anjos, dos Santos, de pessoas virtuosas — nos
proteja e liberte do jugo do Maligno (sem interpelar diretamente o demônio nem
procurar conhecer sua identidade). Devemos fazer essa súplica com humildade e
confiança, pois Deus não o despreza um coração contrito e humilhado (SI 50,
19). Deus não deixará certamente de nos atender, sobretudo se tivermos em vista
antes de tudo a sua glória. "Orar para sermos libertados do diabo, de suas
tentações, de suas maquinações, enganos e influências — escreve Mons. Balducci
- é louvável e não só recomendável, e sempre se fez assim, em privado e em
público; esta petição, Jesus a incluiu na única oração que nos ensinou, o
Pai-Nosso; e se fazia assim, como ficou dito, no final de cada Missa com a
oração a São Miguel Arcanjo”.
Porém, continua o Prelado, ultimamente, em algumas
reuniões de grupos de oração e outras iniciativas privadas, nas quais se faziam
orações de libertação, ás vezes se saía dos âmbito da simples oração e se
chegava ao uso de verdadeiras fórmulas exorcísticas, com a interpelação direta
do demônio. Tais práticas determinaram a intervenção da Congregação para a
Doutrina da Fé, com a Carta de 29 de setembro de 1985, várias vezes referida
aqui.
(Fonte:
internet. Autoria:“Anjos e Demônios - A Luta Contra o Poder das Trevas”,
Gustavo Antônio Solímeo - Luiz Sérgio Solímeo)
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