Exorcismo: o que é?
“Nós te elo exorcizamos, espírito imundo...
em
nome e pelo poder de Jesus (+) Cristo..."
(Exorcismo
contra Satanás
e os
anjos apóstatas)
OS EXORCISMOS CONSTITUEM atos insignes de fé
religião e de religião, pois supõem a crença no poder soberano de Deus sobre os
demônios, sendo mesmo uma aplicação prática dessa crença. No presente capítulo
aprofundaremos um pouco mais a noção de exorcismo, em que consistem, qual o seu
fundamento teológico e a sua eficácia, como se dividem e sobre quem podem ser
feitos.
Noção e
divisão
Os exorcismos não são simples orações a Deus, à
Virgem aos anjos e santos pedindo que nos livrem dos ataques do Maligno, ou
graças para enfrentá-los. Isso é necessário, sem dúvida, mas constitui apenas
um dos recursos ordinários à disposição de qualquer pessoa. Os exorcismos são
mais do que isso: são um ato pelo qual o exorcista, pela autoridade da Igreja
ou pela força do nome de Deus, impõe ao demônio que obedeça e cesse a presença
ou atuação nefasta que está exercendo sobre lugares, coisas ou pessoas. Assim,
fazem-se exorcismos sobre lugares e coisas (incluindo aí o reino vegetal e o
reino animal, e também os elementos atmosféricos), com os quais se proíbe que o
demônio exerça más influências sobre eles (infestação local); praticam-se
igualmente exorcismos sobre pessoas atormentadas ou perturbadas pelos espíritos
malignos (infestação pessoal) ou até possuídas por eles (possessão diabólica),
que têm a finalidade de libertar essas pessoas das influências maléficas e do
poder e domínio de Satanás.
No caso das criaturas irracionais, a adjuração se
dirige mais propriamente àquele que queremos mover; isto é, ou se dirige a
Deus, a modo de súplica, para que evite que essas criaturas sirvam de
instrumento do demônio; ou se dirige ao demônio, impondo-lhe que deixe ou cesse
de se servir delas. E este é o sentido da adjuração da Igreja nos exorcismos e
também nas bênçãos deprecatórias contra ratos, gafanhotos, vermes e outros
animais nocivos. Os exorcismos podem ser divididos segundo vários critérios.
Assim, no que diz respeito à solenidade com que se fazem, os exorcismos se
classificam em solenes e simples.
Os exorcismos solenes, também chamados exorcismos
maiores, são àqueles feitos sobre pessoas possessas, e visam libertá-las do
domínio exercido sobre elas pelo espírito do mal. Constituem o exorcismo-tipo,
isto é, o que que retém o sentido mais estrito da palavra e se encontram no Ritual
Romano. (Rituale Romanum, tit. XI c. 2: Ritus exorcizandi obsessos a daemonio —
Rito para exorcizar os possessos pelo demônio.)
Os
exorcismos simples são de dois gêneros:
a) aquele feito para impedir ou coarctar o influxo
do demônio sobre as pessoas, coisas e lugares (infestação pessoal ou local),
chamado Exorcismo de Leão XIII ou pequeno exorcismo, contido igualmente no
Ritual; (Rituale Romanum, tit. XI c. 3: Exorcismus in satanam et angelos
apostaticos — Exorcismo contra Satanás e os anjos apóstatas.)
b) exorcismos vários, que se efetuam nas cerimônias
do Batismo solene, na bênção da água e do sal e na consagração dos Santos
Óleos, etc (encontram-se no Ritual Romano e livros litúrgicos correspondentes).
O principal critério, entretanto, para a divisão dos
exorcismos é aquele referente à autoridade em nome da qual e por cujo poder se
fazem. De acordo com esse critério, os exorcismos se dividem em
pública e privados, segundo sejam feitos em nome e pela autoridade da Igreja,
no primeiro caso, ou em nome do próprio exorcizante, no segundo. Essa distinção
é fundamental para as considerações que vêm adiante.
Origem e
fundamento teológico do poder exorcístico
O homem não tem nenhum poder natural sobre os
demônios uma vez que estes, embora decaídos, não perderam sua natureza
angélica. Por isso tem que recorrer, obrigatoriamente, a uma natureza superior
à deles para livrar-se dos ataques e insídias dos espíritos malignos. Por
natureza, os demônios dependem exclusivamente de Deus, única natureza acima da
angélica.* Só Deus tem um poder absoluto sobre todas as criaturas; portanto, só
Ele pode dominar de modo absoluto sobre os demônios. Contudo, Ele pode conferir
a quem desejar o poder de dominar sobre os demônios, pela virtude de Seu Nome.
Por isso, a força coercitiva dos exorcismos e a garantia de sua eficácia —
assim como a sua liceidade — estão em serem praticados em nome de Deus e por
aqueles que dEle receberam tal poder.
*Algum anjo poderia ter uma natureza mais elevada do
que a de Lúcifer; entretanto, segundo a crença comum, Lúcifer teria sido o anjo
mais elevado, naturalmente falando, estando assim, por natureza, acima de todos
os demais anjos. Quanto aos outros demônios, alguns são mais elevados, outros
menos, que os anjos bons, estando pois, no que se refere a pura natureza, acima
ou abaixo deles. Pela graça, todos os anjos bons estão acima dos demônios —
inclusive de Lúcifer — ainda que inferiores em natureza.
A quem conferiu Deus tal poder sobre os demônios?
Em primeiro lugar, Cristo conferiu à Sua Igreja, por
meio dos Apóstolos, um “poder sobre os espíritos imundos para os
expelir" (Mt 10, 1; Mc 6,7; Lc 9, 1). E o que se chama poder
exorcístico ordinário da Igreja. Além disso, alguns cristãos — sacerdotes ou
mesmo simples fiéis — recebem de Deus um carisma de expulsar os demônios. É o
que se chama poder exorcístico carismático.*
* Chama-se poder carismático aquele que deriva de um
carisma. Os carismas são dons gratuitos, extraordinários e em geral
transitórios, concedidos por Deus a algumas pessoas, não tanto para proveito
próprio delas (embora possam contribuir para sua santificação), mas sobretudo
para o bem do próximo e a edificação da Igreja. O fundamento da doutrina sobre
os carismas se encontra em São Paulo (cf. 1 Cor 12, 7; Ef. 4, 12, Rom
12 6-8). Os teólogos distinguem três classes de carismas: dons de governo, dons
de ensino e exortação e dons de assistência corporal. Entre estes
últimos estão os dons de cura, dos quais uma espécie é o de expulsar os
demônios, o que constitui uma forma de cura.
Por fim, os teólogos explicam que existe um outro
poder exorcístico, que tem sua origem e fundamento numa apropriação do poder
exorcistico por parte de qualquer fiel, “seja motivada pela vida que Cristo
Nosso Senhor obteve sobre Satanás, seja da união com Ele pela fé ao menos
atual”. (Mons. C. BALDUCCI, Gli indemoniati, pp. 90-91; El diablo, p. 256.)
Com efeito, todo cristão pode fazer uso do poder
exorcístico que Cristo prometeu genericamente a todos os que crerem nEle,
quando disse: “E eis os milagres que acompanharão os que crerem: expulsarão os
demônios em meu nome” (Mc 16, 17). Ou então aplicar a si mesmo aquela outra
promessa ainda mais ampla: "Em verdade, em verdade vos digo que aquele que
crê em mim fará também as obras que eu faço, e fará outras ainda maiores” (Jo
14, 12). Ora, entre as obras de Jesus destaca-se a expulsão dos demônios e a
vitória final sobre Satanás. Finalmente, pode fazer valer para si aquele poder
concedido por Nosso Senhor aos Seus seguidores: “Eis que eu vos dei poder de
calcar serpentes e escorpiões e toda a força do inimigo, e nada vos fará dano”
(Lc 10, 19).
De onde poder-se indicar um tríplice título ou
fundamento teológico do poder exorcístico:
1. uma concessão ordinária feita por Cristo à sua
Igreja;
2. uma comunicação carismática extraordinária a
alguns de seus servidores, independentemente de pertencerem ou não ao clero;
3. uma apropriação de tal poder por parte de
qualquer fiel.
Dessas três vias, a primeira constitui o fundamento
dos exorcismos públicos, enquanto as duas últimas fundamentam os exorcismos
privados.
Daí se deduz a eficácia de uns e de outros, como
veremos a seguir.
Eficácia
dos exorcismos
Exorcismos
públicos
Há uma diferença relevante entre os exorcismos
públicos e os privados; no primeiro caso, o exorcismo será um sacramental,* que
não ocorre com os últimos.
* Por sacramentais entendem-se certas coisas
sensíveis (água-benta, velas bentas, Agnus Dei, medalhas) ou certas ações
(bênçãos, exorcismos, consagrações, etc.) das quais a Igreja se serve pata
obter determinados efeitos especialmente espirituais. A força dos sacramentais
vem do poder de intercessão da Igreja.
Enquanto sacramentais, os exorcismos públicos têm
uma eficácia toda particular, que depende não só das disposições do exorcista e
do paciente, mas também e principalmente da oração da Igreja, a qual tem um
especial valor impetratório junto a Deus. A eficácia dos exorcismos públicos,
se bem que muito grande, não é infalível; e isto porque as orações mesmas da Igreja,
segundo a economia ordinária que Deus segue no atendê-las, não têm efeito
infalível; e também porque o poder da Igreja sobre os demônios não é absoluto
mas condicionado ao beneplácito do poder divino, que às vezes pode ter justos
motivos para retardar ou proibir a saída deles de um lugar ou de uma pessoa.
Este valor condicionado, porém, não está minimamente em contradição com a forma
imperativa do exorcismo, pois que a condição diz respeito à vontade divina, não
à demoníaca, a qual de si, está plenamente sujeita ao poder da Igreja.
Exorcismos
privados
Os exorcismos privados não constituem um sacramental
como o público, isto é, não contam com a força intercessora da Igreja. Assim, a
sua eficácia vem ou da força do carisma por base a fé na promessa feita pelo
Salvador. A eficácia do poder exorcístico carismático é segura, infalível, uma
vez que o próprio Deus, ao conceder o carisma, garante, por meio de uma
inspiração, que o uso desse carisma está conforme com os Seus desígnios, e
obterá, por conseguinte, o efeito qual foi concedido.*
*Segundo os teólogos, Deus concede o dom do carisma
com muita parcimônia; de modo que se deve proceder com muita prudência, antes
de concluir que alguém é possuidor de algum carisma; maior prudência ainda é
exigida da própria pessoa que presume ser possuidora de algum deles. Os autores
de teologia ascética e mística, seguindo o ensinamento de São João da Cruz,
aconselham a não se desejar nem pedir graças e dons extraordinários: deve
bastar-nos a via normal; pois esses dons não são necessários para alcançar a
salvação e a perfeição cristã, e até, ao contrário, por causa de nossas más
inclinações, podem servir de obstáculo a elas. Por outro lado, é muito
freqüente o demônio imiscuir-se nessas vias extraordinárias, de maneira que nem
sempre é fácil distinguir o que vem do Espírito de Deus e o que vem do espírito
das trevas.
No caso da apropriação do poder exorcístico por
parte do fiel, ao contrário, a eficácia resulta inferior àquela do exorcismo
público, pois falta-lhe a força impetratória da Igreja, por não constituir ele
um sacramental. Em conseqüência, a eficácia do exorcismo privado
não-carismático depende muito da virtude — sobretudo da fé - daquele que o
pratica, condicionada sempre ao divino beneplácito.
É preciso acentuar, como acima ficou dito, que
muitas vezes os exorcismos não têm efeito, não pela falta de fé da pessoa
exorcizante, ou pelo poder dos demônios, mas pelos desígnios de Deus, seja para
castigo, seja para a purgação e santificação da vítima, ou por outro motivo que
só Ele conhece.
A quem exorcizar?
Número infinito de infelizes atormentados pelo demônio
O Ritual Romano reserva os exorcismos solenes
somente às pessoas que dêem sinais inequívocos de possessão. Mas os exorcistas
(e não só eles, também os demais sacerdotes) se deparam com casos muito mais
freqüentes de pessoas que, sem estarem propriamente possessas, estão sofrendo
vexações do demônio.
O Pe. Joseph de Tonquédec S.J., que por mais de
vinte anos foi exorcista da arquidiocese de Paris e grande demonólogo,
escrevia, já em 1948.
"A questão que vamos tratar não é do campo da
psicologia ou da experiência em geral; ela é propriamente teológica.”
"O que nos levou a refletir sobre ela foi a
insistência de um número infinito de infelizes que, não apresentando os sinais
de possessão diabólica, não se comportando como possessos, recorrem, entretanto,
ao ministério do exorcista para serem libertados de suas misérias: doenças
rebeldes, azar, infelicidade de toda espécie.
“Enquanto os possessos são muito raros, os pacientes
dos quais falo são legião. Não seria legítimo tratá-los como possessos, uma vez
que, em toda evidência, eles não o são. Por outro lado, eles não são também,
sempre e necessariamente, doentes mentais sobre os quais um tratamento
psiquiátrico teria chance de dar certo...
“Em qualquer caso, estamos simplesmente em presença
de infelizes de toda espécie, cujas queixas nos fazem compreender a gama dos
infortúnios humanos. Tomados de pena por eles, nós nos perguntamos a que meios
recorrer para os ajudar.
“Então nos vêm à lembrança certas páginas dos nossos
Santos Livros, certas orações ou práticas litúrgicas que supõem a influência do
demônio, presente muito além das regiões onde temos o costume de o confinar”.
O autor recomenda que nesses casos se usem os
sacramentais (água-benta, sal bento), orações, bênçãos, o Exorcismo de Leão XIII
(Exorcismo contra Satanás e os anjos apóstatas), etc. (J. de TONQUEDEC S.J.,
Quelques aspects dei l‘action de Satan eu ce monde, p. 493.)
Por seu lado, o exorcista da diocese de Roma, Pe.
Gabriele Amorth, comenta:
“Atualmente o Ritual considera diretamente só o caso
de possessão diabólica, ou seja, o caso mais grave e mais raro. Nós exorcistas
nos ocupamos, na prática, de todos os casos nos quais percebemos uma
intervenção satânica: os casos de infestação diabólica (que são muito mais
numerosos do que os casos de possessão), os casos de infestação pessoal, de
infestação de casas e ainda outros casos nos quais temos visto a eficácia das
nossas orações. ... Por exemplo, não são claros os confins entre possessos e
infestados; tampouco são claros os confins entre infestados e vítimas de outros
males: males físicos que podem ser causados pelo Maligno; males morais (estados
habituais de pecado, sobretudo nas formas mais graves), nos quais certamente o
Maligno tem sua parte. Por exemplo tenho visto às vezes vantagem em usar o
exorcismo breve na ajuda ao sacramento da Confissão nas pessoas endurecidas em
certos pecados, como os homossexuais. Santo Afonso, o Doutor da Igreja para a
Teologia Moral, falando para os confessores, diz que antes de qualquer coisa o sacerdote
deve exorcizar privadamente quando se encontra diante de algo que possa ser
infestação demoníaca" (G. AMORTH, Un esorcista racconta, pp. 199-200.)
Uso
freqüente dos exorcismos simples e dos exorcismos privados
Nesses casos a solução parece estar no uso mais
freqüente dos exorcismos (públicos) simples (que são sacramentais e por isso
têm a uma força própria, que é a da Igreja), por parte dos sacerdotes — tanto
exorcistas como não-exorcistas, já que não exigem delegação especial — sobre
todas essas pessoas que, sem serem possessas, são perseguidas ou influenciadas
pelo demônio.
É o que recomendam os Moralistas; assim os jesuítas
Pes. H. Noldin e A. Schmitt:
"Deve-se persuadir muitíssimo os ministros da
Igreja a que mais freqüentemente façam uso do exorcismo simples, lembrando-se
das palavras do Senhor: Em meu nome expulsarão os demônios; façam uso sobretudo
sobre aqueles que sejam objeto de tentação veemente sobre penitentes nos quais
percebem dificuldades em excitar a dor e os propósitos a respeito dos pecados,
ou em manifestar sinceramente os seus pecados. Podem utilizar esta fórmula ou
semelhantes: Eu te ordeno, em nome de Jesus, espírito imundo, que te afastes
desta criatura de Deus” (H. NOLDIN S.J. - A. SCHMITT S.J. - G. HEINZEL S.J.,
Summa Theologiae Moralis, p. 43.)
Nada impede — como veremos — que em tais
circunstâncias também os leigos pratiquem exorcismos privados, não só sobre si
mesmos, mas igualmente sobre terceiros importunados pelo demônio, observadas as
cautelas que adiante se dirão. Pois as palavras de Nosso Senhor lembradas acima
— Em meu nome expulsarão os demônios — foram ditas a todos os fiéis.
Esse é o ensinamento também de São Tomás, citando
outra passagem dos Evangelhos: “Podemos pois adjurar os demônios pelo poder do
nome de Jesus, expulsando-os de nós mesmos como a inimigos declarados, a fim de
evitar os danos espirituais e corporais que nos possam vir deles. Poder que nos
deu o próprio Cristo: 'Eis que eu vos dei poder de calcar serpentes e
escorpiões e toda a força do inimigo, e nada vos fará dano’ (Lc 10, 19)”.
(Suma Teológica, 2-2, q. 90, a. 2.)
(Fonte:
internet. Autoria:“Anjos e Demônios - A Luta Contra o Poder das Trevas”,
Gustavo Antônio Solímeo - Luiz Sérgio Solímeo)
Sem comentários:
Enviar um comentário