Exorcismo: aspectos históricos
“Se
eu, porém, lanço fora os demônios pela virtude do
Espírito
de Deus, é chegado a vós o reino de Deus".
(Mt
12, 28)
OS EXORCISMOS constituem a grande arma (ou remédio
específico) da Igreja e dos fiéis contra a ação extraordinária do demônio —
isto é, a infestação e a possessão. Para melhor compreender o que são os
exorcismos convém estudar sua origem, natureza e história.
O poder
exorcístico, sinal do Reino de Deus
Jesus dá como característica do Reino de Deus por
Ele fundado a expulsão de satanás e dos seus demônios, e transmite este carisma
exorcístico aos seus Apóstolos, à sua Igreja. Aos judeus incrédulos
disse Jesus: “Se eu, porém lanço fora os demônios pela virtude do Espírito de
Deus, é chegado a vós o reino de Deus” (Mt 12, 28). “Se eu, pelo dedo de Deus
lanço fora os demônios, certamente chegou a vós o reino de Deus” (Lc 11, 20 ).
Após a Ressurreição, pouco antes de subir aos Céus, Nosso Senhor enviou os
Apóstolos pregar o Evangelho por todo e fez a seguinte promessa: “E eis os
milagres que acompanharão os que crerem: expulsarão os demônios em meu
nome...”(Mc 16, 17). O Salvador destruiu as obras diabólicas, triunfou sobre
Satanás e, com a humilhação levada até a própria morte na cruz, mereceu um nome
superior a qualquer outro nome, por cuja invocação todos os joelhos se dobram,
seja dos seres celestes, terrestres ou infernais:
" Deus o exaltou (a Jesus) e lhe deu um
nome que está acima de todo o nome; para que, ao nome de Jesus, se dobre todo o
joelho no céu, na terra e no inferno” (Filip 2, 9-10).
"Santo e terrível é o seu nome!" —
exclamara profeticamente o Salmista (Sl 110,9).
Ao comunicar depois o poder exorcístico, Jesus
recordou expressamente que a eficácia dele provém, de um modo todo especial, da
utilização do Seu nome (cf. Mc 16, 17); de modo que invocá-Lo sobre os
endemoniados equivale a esconjurá-los e libertar a pessoa pela mesma virtude de
Cristo.
Santos Padres repetidamente exaltam a potência de um
tal remédio. São Justino, por exemplo, nos diz: “Invoquemos o Senhor, de cujo
simples nome os demônios temem a potência; e ainda hoje esconjurados em nome de
Jesus Cristo... se submetem a nós ... Todo demônio esconjurado no nome do Filho
de Deus... permanece vencido e atado”. (Apud Mons. C. BALDUCCI, Gli
Indemoniati, p. 86.)
O
ministério exorcístico de Jesus e dos Apóstolos
A libertação dos possessos ocupa um lugar tão
saliente na vida pública do Salvador que os Evangelistas, de tempos em tempos,
resumem seu ministério por frases como as seguintes: “E caindo a tarde, levaram
a Jesus todos os doentes e os possuídos pelo demônio... e Ele expulsava
numerosos demônios... Ele pregava nas sinagogas em toda a Galiléia, e expulsava
os demônios” (Mc 1, 32-34; 39) “Apresentavam-lhes todos os que estavam
doentes..., e os possuídos do demônio, e Ele os curava” (Mt 4, 23-24). “Jesus
curava muitas pessoas que tinham doenças e espíritos malignos” (Lc 7,
21). Acompanhavam o Mestre “algumas mulheres que haviam sido curadas
de espíritos malignos e de doenças, entre elas Maria, chamada Madalena, da qual
tinham saído sete demônios” (Lc 8, 2). O próprio Jesus sintetiza as várias
formas de sua atividade do modo seguinte: “Eis que eu expulso os demônios e
opero curas” (Lc 13, 32). São Pedro repete a mesma idéia ao resumir a vida do
Mestre para o centurião Cornélio: “Ele passou fazendo o bem e curando todos os
que estavam sob o império do diabo” (At 10, 38).*
O tom imperativo, as fórmulas de um laconismo
autoritário absoluto que não admite réplica, com que Jesus se dirigia aos
demônios, e a prontidão com que estes obedeciam, indicavam bem que Ele falava
“como quem tinha autoridade” (Mc 1,22), como Deus e Senhor. Já em sua vida
terrena o Salvador, associando os Após Discípulos ao seu ministério de
evangelização, conferiu-lhes mente o poder sobre os demônios. Em primeiro
lugar, ao Apóstolos: “E, convocados os seus doze discípulos, deu-lhe poder
sobre os espíritos imundos para os expelirem” (Mt 10, 6, 7; Lc 9, 1). E, logo
depois, aos Setenta Discípulos: “E os (discípulos) voltaram alegres, dizendo:
Senhor, até os demônios se nos submetem em virtude de teu nome” (Lc 10, 17).
Depois da Ascensão, vemos os Apóstolos e Discípulos e receberem esse ministério
exorcístico. Assim, São Paulo expulsa o demônio de uma mulher em Filipos,
cidade da Macedônia, dizei espírito imundo: “Ordeno-te, em nome de Jesus, que
saias (mulher). E ele, na mesma hora, saiu” (At 16, 18). Era tal a força do
exorcismo em nome de Jesus, que exorcistas judeus quiseram imitar os Apóstolos
e Discípulos. Assim ocorreu que os filhos de Ceva, príncipe dos sacerdotes
tendo invocado sobre um possesso com as palavras: “Esconjuro-vos por Jesus a
quem Paulo prega”. Mas o espírito maligno replicou-lhes pela boca do possesso:
“Eu conheço Jesus, e sei quem é Paulo; mas
vós, sois?” E o energúmeno, atirando-se sobre dois deles, agarrou-os e
"maltratou-os de tal maneira que, nus e feridos, fugiram daquela
casa" (At 19, 13-16).
* Além dessas referências gerais, os Evangelhos
relatam sete casos especiais de expulsão do demônio por Jesus: 1º o endemoniado
de Cafarnaum (Mc 1,21-28; Le 4. 31-37); 2º um possesso surdo-mudo, cuja
libertação deu lugar à blasfêmia dos fariseus (Mt 12, 22-23; Lc 11,14); 3° os
endemoniados de Gerasa (Mt 8, 28-34; Mc 5, 1-20; Lc 8, 26-39); 4º o possesso
mudo (Mt 9,32-34); 5º a filha da Cananéia (Mt 15, 21-28; Mc 21-20 ); 6º o jovem
lunático (Mt 17, 14-20; Mc 9,13-28; Lc 9,37-44); 7° a mulher paralítica (Lc 13,
10-17).
O poder exorcístico dos Apóstolos se manifestava não
só por sua ação direta, mas também através de objetos neles tocados: “E Deus
fazia milagres não vulgares por mão de Paulo; de tal modo que até sendo
aplicados aos enfermos lenços e aventais que tinham sido tocados no seu corpo,
não só saíam deles as doenças, mas também os espíritos malignos se retiravam”
(At 19, 11-12). Esse poder sobre o demônio, Jesus o comunicou a todos os seus
seguidores, de modo geral, e à sua Igreja, de modo particular.
Na Igreja
primitiva
Nos primeiros séculos da Igreja, o poder exorcístico
carismático cpncedido por Jesus aos Apóstolos e aos Discípulos (Mt 10, 1 e 8;
Mc 3, 14-15; Mt 6,7; 10, 17-20), e prometido mais tarde, antes da Ascensão, a
todos os cristãos (Mc 16, 17), era muito difundido inclusive entre os simples
fiéis, por um desíginio particular da Divina Providência, que assim facilitar
nos inícios a difusão da fé cristã. Todos os cristãos, clérigos ou simples
fiéis, expulsavam os demônios; o fato era tão generalizado, que constituía até
um argumento utilizado pelos apologistas para provar a divindade do
Cristianismo. Os testemunhos são numerosos nos Santos Padres e escritores
eclesiásticos, tanto ocidentais como orientais. Com o correr do tempo e
estabelecida já a Igreja, esse poder exorcístico carismático foi diminuindo,
porém não desapareceu totalmente da Igreja, como o testemunham a vida dos
santos e as crônicas missionárias. Em todas as épocas houve servos de Deus que
pela sua simples presença ou pelo contato de algum objeto que lhes pertencia,
ou ainda por intermédio de qualquer relíquia sua, muitas vezes expulsaram os
demônios, ou dos corpos que eles molestavam, ou dos lugares por eles
infestados.
A figura
do exorcista
Exorcista (do grego eksorkistés) é aquele que
pratica exorcismos sobre pessoas ou lugares que se acredita estarem submetidos
a algum influxo ou ação extraordinária do demônio; em outros termos, é aquele
que, em nome de Deus, impõe ao demônio que cesse de exercer influxos maléficos
em um lugar ou sobre determinadas pessoas ou coisas. Em um sentido mais
estrito, a palavra exorcista, na praxe recente da Igreja latina (até 1972),
indicava quem havia recebido a ordem menor do exorcistado, que conferia o poder
de expulsar os demônios, ou seja, de realizar exorcismos.
Atualmente, chama-se Exorcista o sacerdote que
recebe do bispo a incumbência e a faculdade de fazer exorcismos sobre
possessos. Ele só pode usar dessa faculdade de acordo com as normas
estabelecidas, as quais serão vistas adiante. Muitas dioceses têm pelo menos um
exorcista permanente; em outras, o bispo nomeia exorcistas conforme ocorram os
casos em que sua intervenção se faz necessária. Nos primeiros séculos, sendo
muito difundido na Igreja, mesmo entre os simples fiéis, o poder carismático de
expulsar os demônios, não havia uma disciplina especial para os exorcismos
sobre os endemoniados, nem uma categoria especial de pessoas eclesiásticas
incumbidas de praticá-los em nome da Igreja. Desde cedo, porém, se estabeleceu
um cerimonial para os exorcismos batismais — isto é, aqueles que se procediam
sobre os catecúmenos, como preparação para o Batismo; e logo se constituiu uma
classe particular de pessoas para proceder a eles. Era a ordem menor dos
exorcistas que surgia na Igreja latina, com a incumbência, num primeiro
momento, de realizar apenas os exorcismos batismais, e não aqueles sobre os
possessos, os quais, como ficou dito, eram feitos por qualquer fiel, sem
mandato especial.
Com o passar do tempo e com a consolidação e
expansão da Igreja, a freqüência do poder exorcístico carismático foi
diminuído, se bem que de forma desigual conforme os lugares; os fiéis se
voltaram então, nos casos de infestação ou possessão demoníaca, para
as pessoas revestidas do poder de ordem — isto é, os diáconos, os
sacerdotes e os bispos — e igualmente, como era natural. exorcistas dos
catecúmenos. A Igreja sancionou essa prática com o seu poder ordinário,
conferindo a tais exorcistas também a faculdade e o poder de exorcizar
possessos.
Entretanto, devido à dificuldade no diagnosticar a
possessão, bem como por causa da delicadeza e importância de um tal oficio, a
Igreja foi limitando pouco a pouco o exercício desse poder a um número restrito
de pessoas. Uma carta do Papa Santo Inocêncio I a Decêncio , bispo de Gubbio
(Itália), do ano de 416, supõe já que os exorcismos sobre possessos eram feitos
em Roma unicamente por sacerdotes ou diáconos que para isso tinham recebido
autorização episcopal.
O exorcistado passará a ser considerado desde então
somente como um dentre os vários graus através do qual o futuro sacerdote se
preparava para as ordens maiores. Embora essa ordem menor concedesse sempre um
poder efetivo sobre Satanás, o exercício desse poder ficava ligado a outros
requisitos. Essa disciplina, estabelecida pelo menos desde o século V, foi
prevalecendo com o tempo em toda a Igreja do Ocidente, até tornar-se norma
universal, e assim chegou até os nossos dias com o Código de Direito Canônico
de 1917 (cânon 1151) e o novo Código de 1983 (cânon 1172), os quais mantiveram
a reserva dos exorcismos sobre possessos unicamente a sacerdotes delegados para
tal respectivo Ordinário, o qual deve considerar neles especiais dotes de
virtude e ciência. Quanto à ordem menor do exorcistado, ela confinou a existir
como preparação ao sacerdócio na Igreja latina até ser completamente abolida
por Paulo VI em 1972, juntamente com as demais ordens menores.
Nas Igrejas orientais, o oficio de exorcista era
conhecido desde o século IV, porém não constituía uma ordem menor e seus
membros não faziam parte do clero.
(Fonte:
internet. Autoria:“Anjos e Demônios - A Luta Contra o Poder das Trevas”,
Gustavo Antônio Solímeo - Luiz Sérgio Solímeo)
Sem comentários:
Enviar um comentário