Ritos de Passagem
A expressão francesa “Rites de Passage” foi adotada por antropólogos e escritores europeus para definir todos os rituais e cerimônias que propiciam a passagem de uma pessoa para uma nova forma de vida ou um novo status social. Segundo o escritor Arnold van Gennep, os ritos de passagem são cerimônias que existiram e existem em todas as culturas, antigas ou contemporâneas, primitivas ou urbanas, acompanhando cada mudança de idade, de lugar, de estado ou de posição social. Infelizmente, nas sociedades modernas estas celebrações foram sendo reduzidas - algumas delas mesmo ignoradas - e outras deturpadas. Vivemos nossas vidas, do berço até o túmulo, com apenas algumas poucas cerimônias marcando nossas transições, como batizado, casamento e enterro.
O
nascimento de uma criança era considerado antigamente um ato divino,
presenciado, assistido e celebrado apenas por mulheres ( parteiras,
sacerdotizas, amigas) com cantos, orações e invocações das Deusas
“responsáveis” pela gestação e o parto. Por considerarem a Criação um atributo
da Mãe Cósmica, os povos antigos honravam as mulheres como detentoras do dom
divino da procriação, por isso o ofício sagrado de trazer uma criança ao mundo
era uma função natural e exclusiva das mulheres. As habilidades das parteiras
eram ensinadas de mãe para filha, e os preparativos para o parto decorriam em
uma atmosfera de harmonia e oração, a mãe amparada por ervas, massagens com
óleos aromáticos, cânticos e oferendas para as Deusas. O recem-nascido era
apresentado às Divindades e abençoado pelas mulheres presentes, invocando
atributos e qualidades para a sua vida (foi daí que se originou a lenda das
“fadas madrinhas”).
O
próprio ato de concepção era planejado, preparando os pais para se conectarem
com o espírito do seu futuro filho através de rituais, mudanças na alimentação,
jejuns, purificações e orações. Acreditava-se que ao se comunicarem com o
espírito da criança, antes dela nascer, os pais criavam laços afetivos mais
fortes, facilitando o relacionamento e aceitação recíproca. Mesmo hoje os
nativos norte-americanos perfazem rituais para chamar e se comunicar com o
espírito do futuro filho.
A
primeira celebração após o nascimento de uma criança era para honrar a mãe
(feita pelas mulheres), enquanto os homens festejavam o pai. A cerimônia de
“dar um nome” à criança era programada escolhendo os aspectos planetários
favoráveis, enterrando o cordão umbelical da criança embaixo de uma árvore
frondosa (que então se tornava o guardião e aliado durante os anos de
crescimento) e fazendo oferendas às Divindades para abençoar a vida da criança
com saúde, segurança, força e abundância.
Os
mais importantes ritos de iniciação dos povos antigos eram para celebrar a
primeira menstruação das meninas e a entrada dos meninos para o mundo dos
homens (marcada pela circuncisão, tatuagens e testes de força e resistência).
Por considerarem o sangue menstrual o “sangue da vida” imbuido de “mana”
(poder) respeitado e temido pelos homens e oferecido para a Mãe Terra pelas
mulheres, procurava-se imitar nos meninos o primeiro sangue das meninas com
cortes e flagelações e até mesmo mutilações.
Infelizmente,
com o advento das sociedades patriarcais a reverência pela sacralidade do
sangue menstrual foi sendo substituida por tabus e superstições, segregando e
hostilizando as mulheres, que passaram a ser consideradas impuras, indignas e
perigosas (por “roubarem” a força dos homens). As celebrações da primeira
menstruação foram substituidas por enclausuramento, defloramentos forçados,
proibições e restrições, originando posteriormente os conceitos perniciosos e
as sensações “vergonhosas” que assombraram as mulheres ao longo dos últimos
três mil anos.
Um
rito de passagem totalmente relegado ao esquecimento é a celebração da
menopausa.
Os
povos antigos não consideravam que a vida da mulher era definida pela sua
capacidade de procriar. Pelo contrário: acreditavam que a partir do momento em
que o sangue menstrual não mais era vertido, mas retido no corpo da mulher,
aumentava a sua sabedoria e os seus poderes psíquicos e mágicos. Ao passar do
estágio de Mãe para a de Anciã (manifestação da própria Deusa, além de Donzela)
as mulheres adquiriam um “status” especial, tornando-se conselheiras,
curadoras, profetisas e orientadoras espirituais da comunidade. Ritualizando
este conhecimento reconhecia-se e se honrava este momento importante de
transição na vida da mulher, quando ela podia assumir e desempenhar outros
papéis além dos maternos e familiares.
Por
que então este acontecimento tão fundamental na vida da mulher passou a ser negligenciado
e depois negado pela sociedade, pela história e pela religião contemporânea?
Segundo estudiosos e pesquisadores esta negação foi consequência dos conceitos
e atitudes patriarcais que valorizavam a mulher apenas por sua capacidade
reprodutiva ou os seus encantos sexuais. Crenças como a de que a mulher perdia
sua feminilidade após a cessação da menstruação refletiam os medos
inconscientes das mulheres alimentados pelas atitudes de indiferença ou
desprezo dos homens em relação às mulheres idosas.
Os
antigos conceitos espirituais sobre o poder mágico da mulher fértil foram
deturpados para as caricaturas medievais das bruxas velhas, com pêlos no rosto
e poderes malignos. Das milhões de mulheres torturadas e trucidadas pelos
abomináveis tribunais da Inquisição, a maioria era de mulheres velhas, já que
“o diabo anda por lugares áridos”.
Hoje
em dia a expectativa de vida aumentou e há uma percentagem cada vez maior da
população formada por mulheres pos-menopausa. Como esta ocorre por volta dos
cinquenta anos, as mulheres têm ainda mais um terço de suas vidas a produzir. A
sociedade não pode mais se permitir ignorar ou marginalizar as mulheres após
terem deixado de ser reprodutivas ou “atrativas”. Mais importante do que
reverter os preconceitos masculinos é a necessidade das próprias mulheres
emergirem do seu marasmo secular e assumirem atitudes positivas em relação a
este rito de passagem - não como um fim, mas o início de um novo ciclo.
Aceitar
esta nova fase e celebrá-la através de rituais e cerimônias contribuirá para a
libertação dos medos sobre a perda da feminilidade, a decadência física e
mental, a entrega à passividade, ao vazio, à depressão. Sentindo-se aceita,
honrada e celebrada pelas suas irmãs e companheiras de jornada a mulher saberá
sintonizar-se com os atributos da Mulher Sábia, da Conselheira, da Mestra e da
Deusa Anciã, compartilhando os maduros frutos de suas experiências e vivências.
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