A
senhora da Roda de Prata
“Tu,
que perambulas por muitos lugares sagrados e és reverenciada com diferentes
rituais;
Tu, cuja luz suave clareia o caminho dos viajantes e nutre as sementes escondidas sob a terra;
Tu, que controlas o caminho do Sol e até mesmo a intensidade dos seus raios
eu Te imploro,
chamando todos os Teus nomes e todos os Teus aspectos
eu Te invoco
com todas as cerimônias que Te foram dedicadas,
venha a mim e me traga repouso e paz”
Apuleio, "O Asno Dourado
Tu, cuja luz suave clareia o caminho dos viajantes e nutre as sementes escondidas sob a terra;
Tu, que controlas o caminho do Sol e até mesmo a intensidade dos seus raios
eu Te imploro,
chamando todos os Teus nomes e todos os Teus aspectos
eu Te invoco
com todas as cerimônias que Te foram dedicadas,
venha a mim e me traga repouso e paz”
Apuleio, "O Asno Dourado
Para
nossa mentalidade atual, baseada em valores solares, pode parecer estranha a
afirmação do escritor romano Apuleio (século I) sobre o controle exercido pela
Lua na trajetória e intensidade dos raios do Sol.
No
entanto, se voltarmos para o início da história da humanidade, podemos
constatar a maior relevância simbólica e mitológica da Lua, bem como a
antiguidade dos cultos lunares em relação aos valores e cultos solares. Na
Caldéia, os astrólogos ignoravam o Sol e fundamentaram seu sistema nos
movimentos da Lua. Até hoje, na astrologia védica, o peso da interpretação
recai sobre o signo lunar natal, os meses são denominados “mansões lunares” e
caracterizados pela posição da Lua cheia na respectiva mansão.
Os
cultos lunares se originaram no paleolítico e os primeiros calendários
conhecidos foram os lunares, baseados no ciclo menstrual da mulher. O mais
antigo calendário astrológico conhecido foi criado pelos babilônios e
chamava-se “As casas da Lua”, estabelecido a partir do ciclo de lunação, com
seus períodos mensais representados pelos signos zodiacais. A principal deusa
lunar da Babilônia era Ishtar, cujo cinturão era enfeitado com representações e
símbolos do zodíaco.
Inúmeros
artefatos neolíticos talhados em pedra, chifre e osso, encontrados em grutas
espalhadas por vários países na Europa e Ásia têm inscrições agrupadas em
séries alternadas de 28 a 30 traços, demonstrando o antigo conhecimento
astronômico dos ciclos lunares. Atualmente está sendo cada vez mais divulgado e
utilizado o calendário lunar do povo maia, com base no ciclo das treze lunações
que formam um ciclo solar.
Desde
os mais remotos tempos, a Lua foi reverenciada como a manifestação da Grande
Mãe Universal, o aspecto feminino da Divindade, a fonte criadora e mantenedora
da vida, cuja luz e bênção eram invocadas nos rituais de fertilidade, no plantio
das sementes e no parto das crianças. Suas fases passaram a simbolizar o
próprio ciclo da geração, nascimento, crescimento, mas também o amadurecimento,
decadência e morte. As suas faces clara e escura foram consideradas os aspectos
doadores da vida e destruidores da natureza – a Mãe sendo tanto a Criadora como
a Ceifadora.
A
Lua foi venerada sob inúmeros nomes nas várias tradições e culturas antigas.
Apesar dessa diversidade, existe uma similitude em relação aos seus atributos
de acordo com suas fases. A Lua crescente representava a vitalidade da Deusa
jovem, o frescor da Donzela, o potencial do crescimento, o início das
realizações. Tornando-se cheia, a Lua personifica o ventre grávido da Mãe, o
florescimento e abundância da natureza, a concretização das possibilidades. Ao
minguar, a Lua assume o aspecto de Anciã, assinalando o fim da colheita, o
declínio das energias, a sábia preparação para conhecer os mistérios da morte e
do renascimento.
Dificilmente
se encontra nas várias mitologias uma única deusa que sintetize a inteira gama
do simbolismo lunar. Nos panteões grego e celta, existem inúmeras deusas
lunares com características específicas relacionadas aos atributos das fases e
representando os arquétipos da Donzela, da Mãe e da Anciã.
Uma
Deusa celta pouco conhecida é Arianrhod, descrita na coletânea de textos
galeses “Mabinogion” como “A Senhora da Roda de Prata”. Vivendo na longínqua
terra encantada de Caer Sidi, ela personificava uma antiga Deusa Mãe celeste,
regente da constelação estelar Corona Borealis, cujo nome em galês era “Caer
Arianrhod” , ou seja, “O castelo girante de Arianrhod”.
O
mito de Arianrhod é muito complexo, com elementos contraditórios e de difícil
compreensão, denotando as deturpações decorrentes da interpretação das antigas
lendas da tradição oral dos bardos, pelos monges e historiadores cristãos. Há,
no entanto, uma passagem muito interessante que descreve de forma metafórica e
pitoresca uma mescla de atributos da Deusa como Donzela e Mãe escura. Filha da
deusa da terra Don, Arianrhod foi chamada pelo Deus celeste Math para ser sua
acompanhante (na verdade, seu dever era segurar os pés do Deus no seu colo
enquanto ele descansava). A condição essencial deste encargo era a virgindade
da candidata.
Mas,
ao ser testada pelo bastão mágico de Math, Arianrhod de repente deu a luz a
gêmeos – um, bem formado, Dylan, que se foi arrastando para o mar (onde se
transformou depois em um deus marinho), e outro, ainda em estado embrionário.
Arianrhod desapareceu, mas antes amaldiçoou este filho para que ele não tivesse
jamais um nome, não pudesse usar armas e nem casar. Na cultura celta, era a mãe
que dava o nome e abençoava seu filho nestes rituais de passagem. No presente
mito, a criança foi adotada pelo irmão de Arianrhod, o mago Gwydion, que, no
devido tempo, conseguiu ludibriar Arianrhod e, usando recursos mágicos, a
convenceu a dar um nome a seu filho e permitir-lhe usar armas. O nome Llew Llaw
Gyffes, “o brilhante, luminoso e habilidoso”, era o mesmo nome de um famoso herói
celta Lugh, personificação de um antigo deus solar. Comprova-se, assim, por
metáforas e intrincados simbolismos celtas, a antiguidade das divindades e
cultos lunares, a Lua representando as tradições matrifocais da Deusa que deram
origem aos cultos e mitos solares posteriores.
Na
Ásia - Ocidental e Menor - durante séculos foram reverenciadas inúmeras Deusas
Mãe, algumas delas com características lunares. Na Suméria e na Babilônia, a
Deusa Anath, Anunith ou Antu era conhecida como a “Senhora da Lua, do Céu e das
Montanhas”, representada por um disco prateado com oito raios. Assim como
Arianrhod, ela reunia as qualidades da Donzela – regendo o plantio das sementes
e o crescimento dos brotos e da Mãe – quando desce para o mundo subterrâneo
para resgatar seu filho/consorte da escura morada de Mot, o deus da morte, e
regenera a terra seca com a chuva fertilizadora. Posteriormente, os atributos
de Anath foram absorvidos no mito e no culto de outras deusas, como Ashtar,
Astarte e Asherah.
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