Ação ordinária e
extraordinária do demônio
DEUS GOVERNA O MUNDO, respeitando sua ordem e suas
leis; isto é, a normalidade, a simplicidade, o usual das coisas; tudo aquilo
que sai desta linha e que parece maravilhoso, prodigioso, milagroso é
excepcional, muito raro. Deus nos criou livres e espera de nós um livre
consentimento à fé, sem que nisto sejamos influenciados por uma manifestação
habitual do preternatural e do sobrenatural. Entretanto, para provar-nos, para
que mereçamos a bem-aventurança eterna, como também, muitas vezes, para castigo
nosso, permite Deus que o demônio nos atormente.
A inclinação para o mal nos provém de três causas:
de nossa natureza, ferida pelo pecado original; do mundo e do demônio.
Entretanto Satanás desperta em nós, continuamente, a tríplice concupiscência
com insistentes tentações de soberba e orgulho, de luxúria, de avidez em todos
os níveis.
Essa é a ação ordinária, comum, corrente do demônio
— ou seja, a tentação. Além dela, pode o Maligno exercer uma ação
extraordinária.
A ação ou atividade demoníaca extraordinária pode
ser assim qualificada por duas razões: em primeiro lugar, pelo seu caráter
surpreendente, sensacional, espetacular; em segundo, pela sua relativa raridade
(se comparada com a ação ordinária). Estamos nos referindo à infestação e à
possessão diabólica. Trataremos em primeiro lugar da tentação; a seguir, das
duas formas de infestação - a local e a pessoal; no capítulo
seguinte, da possessão.
Capitulo 1: A tentação
“Bem-aventurado
o homem que sofre (com paciência) a tentação.
porque
depois que tiver sido provado, receberá a coroa da
vida,
que Deus promete aos que o amam".
(Tiag
1,12)
A AÇÃO MAIS COMUM e constante do demônio, em relação
ao homem, é a tentação. Por esse seu aspecto comum e também por ser a mais
freqüente, pode-se chamá-la de ação ordinária do demônio.
Natureza
da tentação
Em seu sentido etimológico, tentar alguém significa
pô-lo à prova para que se conheçam suas disposições ou qualidades.
Tentação
probatória e tentação enganadora ou sedutora
Santo Agostinho estabeleceu uma distinção, que se
tomou clássica, entre a tentação probatória (tentatio probationis) e a tentação
enganadora ou sedutora (tentatio decepcionis vel seducionis).
A tentação probatória não visa levar ao pecado, e
sim tornar patente a virtude de alguém ou fortalecê-la por meio da
provação. Nesse sentido é que se pode falar de tentação de Deus,
como, por exemplo, as provações que o Criador, servindo-se do demônio, enviou a
Jó para provar sua fidelidade (cf. Jó 14, 1 ss).
Pode-se falar também de tentar a Deus quando se
pretende pôr Deus à prova, exigindo dele um milagre ou uma ação extraordinária,
com o fim de satisfazer nossa curiosidade, nossos caprichos, ou livrar-nos das
conseqüências de nossas irreflexões ou imprudências. “Tentar a Deus — escreve
D. Duarte Leopoldo e Silva - é expor-se ao perigo, a grandes tentações, sem
necessidade, e depois pedir um milagre para não sucumbir. Deus protege no
perigo, mas nem por isso devemos expor-nos temerariamente, porque, diz o Espírito
Santo, quem ama o perigo nele perecerá” . (Con. Duarte LEOPOLDO E SILVA,
Concordancia dos Sanctos Evangelhos, Escola Typographica Salesiana, São Paulo,
I edição, 1903.)
A tentação enganadora ou sedutora visa levar o homem
à ruína espiritual; ela propõe-lhe um mal sob a aparência de um bem, procurando
arrastá-lo ao desejo desse mal, isto é, ao pecado. Pode, então, ser definida
como uma incitação ao pecado. Consiste em um estímulo, uma solicitação da
vontade para o mal.
Quando procede de nós mesmos (tentação interna),
pode ser indicada mais bem como inclinação, arrebatamento, estímulo; se provém
de outros inclusive do demônio podemos referir-nos a ela como convite, solicitação,
incitação.
Causas
naturais da tentação: o mundo e a carne
Nem todas as tentações que o homem padece provém do
demônio; também o mundo e a carne têm nelas uma grande parte: "Nem todos
os pecados são cometidos por instigação do demônio, mas alguns são cometidos
pela livre vontade e corrupção da carne” - ensina São Tomás. (Suma Teológica,
1,q.114,a.3.)
A raiz mesma da tentação está na própria natureza
humana, livre porém demasiado frágil, sobretudo depois que decaiu de sua
integridade, em conseqüência do pecado original. “Cada um é tentado pela sua
própria concupiscência, que o atrai e o alicia” - escreve o Apóstolo São Tiago
(Tiag 1, 14), que repete a mesma idéia pouco à frente: “De onde vêm as guerras
e as contendas entre vós? Não vêm elas das vossas concupiscências que combatem
em vossos membros?” (Tiag 4, 1).
São Paulo descreve em termos dramáticos essa
terrível realidade: "Sinto imperar em mim unia lei: querendo fazer o bem,
eis que o mal se apresenta a mim. Segundo o homem interior, acho satisfação na
lei de Deus; mas em meus membros experimento outra lei que se opõe à lei do meu
espírito e me encadeia à lei do pecado que reina em meus membros” (Rom 7,
21-24)*
*“São Paulo descreve a luta que se trava no interior
do homem entre a carne e o e espírito. O homem reconhece a justiça e a bondade
da lei, mas a concupiscência excita-o fortemente a desobedecer-lhe” (Pe. MATOS
SOARES). A carne, aqui, significa a natureza humana decaída em conseqüência do
pecado original, que a tornou desregrada. De si, a carne ou seja, a natureza
humana é boa, pois criada por Deus.
Essa a lei
da carne
Também o mundo procura arrastar-nos ao pecado, pois
"está sob o jugo do maligno” (1 Jo 5, 19), e “a amizade deste
mundo é inimiga de Deus” (Tiag 4, 4). Se rompermos com o mundo ele nos
perseguirá, adverte o Salvador, pois não somos do mundo (Jo 15, 19). Por isso,
Jesus disse expressamente que não rezava pelo mundo (Jo 17, 9). Um homem pode
ser tentador de outro homem, segundo o espírito do mundo. Foi o que fez São Pedro,
procurando desviar o Senhor do caminho da Cruz: “A partir daquele momento,
começou Jesus a revelar a seus discípulos que era necessário que fosse a
Jerusalém, padecesse muito da parte dos anciãos, dos sumos sacerdotes e dos
escribas, e fosse condenado à morte, e ao terceiro dia ressuscitasse. Pedro,
tomando-o à parte, começou a admoestá-lo, dizendo: ´Deus te livre, Senhor! Isto
não te pode acontecer!´Ele, porém, voltando-se, disse a Pedro: 'Retira-te de
mim, Satanás! Pois és para mim obstáculo (isto é, tentação); os teus
pensamentos não são de Deus, mas dos homens!' “ (Mt 16, 21-23). Somos, pois,
tentados pela nossa própria fragilidade, pelo nosso temperamento, nossa índole,
formação, ambiente, familiares, amigos, situações e ocasiões; em uma palavra: pela
carne e pelo mundo.
A tentação demoníaca
Porém, conforme ensina o Apóstolo, “não temos que
lutar somente contra a carne e o sangue, mas sim contra os principados e as
potestades, contra os dominadores deste mundo de trevas, contra os espíritos
malignos espalhados pelos ares.. “(Ef 6, 10-11). É fora de dúvida que
muitíssimas tentações são obra direta do demônio, cujo oficio próprio — diz São
Tomás — é tentar. (Suma Teológica, 1,q. 114,a.2.) A maior parte da atividade
demoníaca se concretiza na tentação. Por isso o demônio, no Evangelho, é
chamado tentador (cf. Mt 4, 3). As demais causas da tentação — o mundo e a
carne — podem atuar dependentemente umas das outras; entretanto, é comum que,
nas tentações, a atração do mundo se una à revolta da sensualidade, e a ambas
se some a ação aliciante do demônio.
De tal modo que, embora os teólogos aceitem no plano
teórico a possilidade de a tentação poder ter uma causa apenas natural o mundo
ou a carne sem entrar necessariamente a ação do demônio, no plano prático, em
geral, admitem que o Maligno, sempre à espreita, se aproveita de todas as
circunstâncias para cavalgar a tentação e aumentar a sua intensidade ou
malícia. De onde a advertência de São Paulo: “Se sentirdes raiva, seja sem
pecar: não se ponha o sol sobre vossa ira, para não dardes oportunidade ao
demônio” (Ef 4, 26-27).
O homem
diante da tentação
A tentação
não é pecado
A tentação, de si mesma, obviamente não é pecado.
Pois o próprio salvador permitiu ser tentado pelo demônio (Mt 4, 1-11; Mc 1,
12-13; Lc 4, 1-13). Como dissemos, o demônio não pode agir diretamente sobre a
inteligência ou a vontade humanas e por isso procura influenciá-las por meios
indiretos, em seu escopo de fazer-nos pecar. Mesmo podendo resistir ao
tentador, o homem freqüentemente se deixa seduzir. Para nos tentar, o demônio
pode excitar a imaginação de modo a formar nela imagens e representações lúbricas
ou perturbadoras; interferir em movimentos corporais que favoreçam os maus atos
ou maus pensamentos, intensificar as paixões, procurar enredar-nos em sofismas,
em erros, etc. Entretanto, o homem não é culpado das tentações que sofre, a não
ser quando elas são conseqüência de imprudências, permitidas ou procuradas
voluntariamente, por exemplo, com olhares indevidos, freqüência a lugares
perigosos, más companhias, etc. Do contrário, ele só será culpado nos casos em
que der um consentimento pleno e deliberado ás solicitações das tentações.*
*“Três coisas devemos distinguir na tentação: a
sugestão, a deleitação e o consentimento. A sugestão não é um pecado, porque
não depende da nossa vontade, A simples deleitação, quando involuntária, também
não é pecado. Só o consentimento é sempre criminoso, porque depende
exclusivamente de nós o aceitar ou não a sugestão do pecado" (Con. Duarte
LEOPOLDO E SILVA, op. cit., p. 34, n. 5).
Por mais intensa que seja uma tentação, se o homem
lutou contra ela o tempo todo, não cometeu a menor falta; pelo contrário
adquiriu méritos para sua santificação, segundo escreve São Tiago Apóstolo:
“Bem-aventurado o homem que sofre (com paciência) a tentação, porque, depois
que tiver sido provado, receberá a coroa da vida, que Deus prometeu aos que o
amam” (Tiag 1, 12).
Necessidade
da vigilância e da oração
Devemos estar sempre alertas para enfrentar as
provocações, como nos recomendou Nosso Senhor na hora de sua Paixão:
"Vigiai e orai, para que não entreis em tentação; o espírito na verdade
está pronto, mas a carne é fraca” (Mt 26, 41). O mesmo aconselha São Pedro:
“Sêde sóbrios e vigiai, porque o demônio, vosso adversário, anda ao redor como
um leão que ruge, buscando a quem devorar” (1 Ped 5,8). Vigiar, porém, não
basta. É preciso resistir ao demônio: "Resisti ao demônio, e ele fugirá de
vós” (Tiag 4, 7) — nos assegura São Tiago. “Resisti-lhe [ao demônio] fortes na
fé” — manda São Pedro (1 Ped 5,9). E São Paulo exorta: “Revesti-vos da armadura
de Deus para que possais resistir às ciladas do demônio. ... tomai a armadura
de Deus, para que possais resistir no dia mau, e ficar de pé depois de ter
vencido tudo. Estai, pois, firmes tendo cingido os vossos rins com a verdade, e
vestindo a couraça da justiça... tomai o escudo da fé com que possais apagar
todos os dardos inflamados do maligno, tomai também o elmo da salvação e a
espada do espírito ( que é a palavra de Deus)” (Ef 6, 11-17).
Deus não
permite que sejamos tentados além de nossas forças
Devemos, entretanto, ter sempre presente esta
consoladora verdade: é certo que Deus não permite sejamos tentados além de
nossas forças. Este é o ensinamento de São Paulo: “Nenhuma tentação vos
sobreveio que superasse as forças humanas. Deus é fiel: não permitirá que
sejais tentados acima das vossas forças: mas, com a tentação, vos dará também o
meio de sair dela e a força para que suportá-la” (1 Cor 10,13).
(Fonte:
internet. Autoria:“Anjos e Demônios - A Luta Contra o Poder das Trevas”,
Gustavo Antônio Solímeo - Luiz Sérgio Solímeo)
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