Evangelhos Apócrifos
Livro de Melquisedeque
Pseudo Epigrafo da Gênesis
A Criação do Universo I
Antes que existisse uma estrela a brilhar,
antes que houvesse anjos a cantar, já havia um céu, o lar do Eterno, o único
Deus.
Perfeito em sabedoria,
amor e glória, viveu o Eterno uma eternidade, antes de concretizar o Seu lindo
sonho, na criação do Universo.
Os incontáveis seres que
compõem a criação foram, todos, idealizados com muito carinho. Desde o íntimo
átomo às gigantescas galáxias, tudo mereceu Sua suprema atenção.
Movendo-Se com majestade,
iniciou Sua obra de criação. Suas mãos moldaram primeiramente um mundo de luz,
e sobre ele uma montanha fulgurante sobre a qual estaria para sempre firmado o
trono do Universo. Ao monte sagrado Deus denominou: Sião.
Da base do trono, o
Eterno fez jorrar um rio cristalino, para representar a vida que d'Ele fluiria
para todas as criaturas.
Como sala do trono, criou
um lindo paraíso que se estendia por centenas de quilômetros ao redor do monte
Sião. Ao paraíso denominou: Éden.
Ao sul do paraíso, em
ambas as margens do rio da vida, foram edificadas numerosas mansões adornadas
de pedras preciosas, que se destinavam aos anjos, os ministros do reino da luz.
Circundando o Éden e as
mansões angelicais, construiu Deus uma muralha de jaspe luzente, ao longo da
qual podiam ser vistos grandes portais de pérolas.
Com alegria, o Eterno
contemplou a Capital sonhada.
Carinhosamente, o grande
Arquiteto a denominou: Jerusalém, a Cidade da Paz.
Deus estava para trazer à
existência a primeira criatura racional. Seria um anjo glorioso, de todos o
mais honrado. Adornado pelo brilho das pedras preciosas, esse anjo viveria
sobre o monte Sião, como representante do Rei dos reis diante do Universo.
Com muito amor, o Criador
passou a modelar o primogênito dos anjos. Toda sabedoria aplicou ao formá-lo,
fazendo-o perfeito. Com ternura concedeu-lhe a vida; o formoso anjo, como que
despertando de um profundo sono, abriu os olhos e contemplou a face de seu
Autor.
Com alegria, o Eterno
mostrou-lhe as belezas do paraíso, falando-lhe de Seus planos, que começavam a
se concretizar. Ao ser conduzido ao lugar de sua morada, junto ao trono, o
príncipe dos anjos ficou agradecido e, com voz melodiosa, entoou seu primeiro
cântico de louvor.
Das alturas de Sião,
descortinava-se, aos olhos do formoso anjo, Jerusalém em sua vastidão e
esplendor. O rio da vida, ao deslizar sereno em meio à Cidade, assemelhava-se a
uma larga avenida, espelhando as belezas do jardim do Éden e das mansões
angelicais.
Envolvendo o primogênito
dos anjos com Seu manto de luz, o Eterno passou a falar-lhe dos princípios que
haveriam de reger o reino universal. Leis físicas e morais deveriam ser
respeitadas em toda a extensão do governo divino.
As leis morais
resumiam-se em dois princípios básicos: amar a Deus sobre todas as coisas e
viver na fraternidade com todas as criaturas. Cada criatura racional deveria
ser um canal por meio do qual o Eterno pudesse jorrar aos outros vida e luz.
Dessa forma, o Universo cresceria em harmonia, felicidade e paz.
Depois de revelar ao
formoso anjo as leis de Seu governo, o Eterno confiou-lhe uma missão de grande
responsabilidade: seria o protetor daquelas leis, devendo honrá-las e
revelá-las ao Universo prestes a ser criado. Com o coração transbordante de
amor a Deus e aos semelhantes, caber-lhe-ia ser um modelo de perfeição: seria
Lúcifer, o portador da luz.
O príncipe dos anjos;
agradecido por tudo, prostrou-se ante o amoroso Rei, prometendo-Lhe eterna
fidelidade.
O Eterno continuou Sua
obra de criação, trazendo à existência inumeráveis hostes de anjos, os
ministros do reino da luz. A Cidade Santa ficou povoada por essas criaturas
radiantes que, felizes e gratas, uniam as vozes em belíssimos cânticos de
louvor ao Criador.
Deus traria agora à
existência o Universo que, repleto de vida, giraria em torno de Seu trono
firmado em Sião. Acompanhado por Seus ministros, partiu para a grandiosa
realização.
Depois de contemplar o
vazio imenso, o Eterno ergueu as poderosas mãos, ordenando a materialização das
multiformes maravilhas que haveriam de compor o Cosmo. Sua ordem, qual trovão,
ecoou por todas as partes, fazendo surgir, como que por encanto, galáxias sem
conta, repletas de mundos e sóis - paraísos de vida e alegria -, tudo girando
harmoniosamente em torno do monte Sião.
Ao presenciarem tão
grande feito do supremo Rei, as hostes angelicais prostraram-se, fazendo ecoar
pelo espaço iluminado um cântico de triunfo, em saudação à vida. Todo o
Universo uniu-se nesse cântico de gratidão, em promessa de eterna fidelidade ao
Criador.
Guiados pelo Eterno, os
anjos passaram a conhecer as riquezas do Universo. Nessa excursão sideral,
ficaram admirados ante a vastidão do reino da luz. Por todas as partes
encontravam mundos habitados por criaturas felizes que os recebiam em festa. Os
anjos saudavam-nos com cânticos que falavam das boas novas daquele reino de
paz.
Tão preciosa como a vida,
a liberdade de escolha, através da qual as criaturas poderiam demonstrar seu
amor ao Criador, exigia um teste de fidelidade. Com o propósito de revelá-lo, o
Eterno conduziu as hostes por entre o espaço iluminado, até se aproximarem de
um abismo de trevas que contrastava com o imenso brilho das galáxias. Ao longe,
esse abismo revelara-se insignificante aos olhos dos anjos, como um pontinho
sem luz; mas à medida de sua aproximação, mostrou-se em sua enormidade. O
Criador, que a cada passo revelava aos anjos os mistérios de Seu reino, ficou
ali silencioso, como que guardando para Si um segredo. As trevas daquele abismo
consistiam no teste da fidelidade. Voltando-Se para as hostes, o Eterno
solenemente afirmou:
-"Todos os tesouros
da luz estarão abertos ao vosso conhecimento, menos os segredos ocultos pelas
trevas. Sois livres para me servirem ou não. Amando a luz estareis ligados à
Fonte da Vida".
Com estas palavras, fez
Deus separação entre a luz e as trevas, o bem e o mal. O Universo era livre
para escolher seu destino.
A Criação do Universo 2
O tão acalentado sonho do
Criador se concretizara. Agora, como Pai carinhoso, conduzia as criaturas
através de uma eternidade de harmonia e paz. Em virtude do cumprimento das leis
divinas, o Universo expandia-se em felicidade e glória.
Havia um forte elo de
amor, que a todos unia fortemente. Os seres racionais, dotados da capacidade de
um desenvolvimento infinito, encontravam indizível prazer em aprender os
inesgotáveis tesouros da Sabedoria divina, transmitindo-os aos semelhantes.
Eram como canais por meio dos quais a Fonte da Eterna Vida nutria a todos de
amor e luz.
Em Jerusalém, os
ministros do reino reuniam-se ante o soberano Rei, sempre prontos a cumprir os
Seus propósitos. Era através de Lúcifer que o Eterno tornava manifesto os Seus
desígnios. Depois de receber uma nova revelação, ele prontamente a transmitia
às hostes angelicais. Estas, por sua vez, a compartilhavam com a criação. Em
célere vôo os anjos rumavam para as terras planetas capitais, onde, em grandes
assembléias, reuniam-se os representantes dos demais mundos.
Em muitas dessas
assembléias, Lúcifer fazia-se presente, enchendo os participantes de alegria e
admiração. Perfeito em todas as virtudes, ele os cativava com sua simpatia.
Nenhum outro anjo conseguia revelar como ele os mistérios do amor do Eterno.
O Universo,
alimentando-se da Fonte da Vida, expandia-se numa eternidade de perfeita paz. A
obediência às leis divinas era o fundamento de todo progresso e felicidade.
Ainda que conscientes do livre-arbítrio, jamais subira ao coração de qualquer
criatura o desejo de se afastar do Criador. Assim foi por muito tempo, até que
tal problema irrompeu na vida daquele que era o mais íntimo do Eterno.
Lúcifer, que dedicara sua
vida ao conhecimento dos mistérios da luz, sentiu-se aos poucos atraído pelas
trevas. O Rei do Universo, aos olhos de quem nada pode ser encoberto,
acompanhou com tristeza os seus passos no caminho descendente que leva à morte.
A princípio, uma pequena curiosidade levou Lúcifer a se aproximar daquele
abismo profundo. Contemplando-o, ele começou a indagar o porquê de não poder
compreender o seu enigma.
Retornando a seu lugar de
honra, junto ao trono, prostrou-se ante o divino Rei, suplicando-Lhe:
- Pai, dá-me a conhecer
os segredos das trevas, assim como me revelas a luz.
Ante o pedido do formoso
anjo, o Eterno, com voz expressiva de tristeza, disse-lhe:
- Meu filho, você foi
criado para a luz, que é vida.
Convencendo-se de que o
Criador não lhe revelaria os tesouros das trevas, Lúcifer decidiu compreender
por si mesmo o enigma. Julgava-se capacitado para tanto.
Só Deus sabia o que se
passava no coração de Lúcifer. O anjo, que fora criado para ser o portador da
luz, estava divorciando-se em pensamentos do bondoso Criador que, num esforço
de impedir o desastre, rogava-lhe permanecer a Seu lado.
Uma tremenda luta passou
a travar-se em seu íntimo. O desejo de conhecer o sentido das trevas era imenso,
contudo, os rogos daquele amoroso Pai, a quem não queria também perder, o
torturavam. Vendo o sofrimento que sua atitude causava ao Criador, às vezes
demonstrava arrependimento, mas voltava a cair.
Antes de criar o
Universo, Deus já previra a possibilidade de uma rebelião. O risco de conceder
liberdade às criaturas era imenso, mas, sem este dom, a vida não teria sentido.
Ele queria que a obediência fosse fruto de
reconhecimento e amor, por isso decidiu correr o grande risco.
Ainda que prosseguisse na
busca do sentido das trevas, Lúcifer não pretendia abandonar a luz.
Esforçava-se para chegar a uma combinação entre essas partes que, no reino do
Eterno, coexistiam separadas. Finalmente, com um sentimento de exaltação,
concebeu uma teoria enganosa, que pretendia apresentar ao Universo como um novo
sistema de governo, superior ao governar do Eterno. Denominou sua Lei "a
ciência do bem e do mal".
Estruturada na lógica, a
ciência do bem e do mal revelou-se atraente aos olhos de Lúcifer, parecendo
descerrar um sentido de vida superior àquele oferecido pelo Criador, cujo reino
possibilitava unicamente o conhecimento experimental do bem. No novo sistema,
haveria equilíbrio entre o bem e o mal, entre o amor e o egoísmo, entre a luz e
as trevas.
Ao longo do tempo em que amadurecera em sua
mente a ciência do bem e do mal, Lúcifer soube guardar segredo diante do
Universo. Continuava em seu posto de honra, cumprindo a função de Portador da
Luz. Contudo, por mais que procurasse fingir, seu semblante já não revelava
alegria em servir ao Eterno.
O divino Rei, que sofria
em silêncio, procurava, por meio de Suas revelações de amor, preparar as
criaturas racionais para a grande prova que se aproximava. Sabia que muitos
dariam ouvido à tentação, voltando-Lhe as costas. A noite da provação faria
sobressair, contudo, os verdadeiros fiéis - aqueles que serviam ao Criador não
por interesse, mas por amor.
Ao ver que a hora da
prova chegara, e que Lúcifer estava pronto para traí-Lo diante do Universo, o
Eterno, que jamais cessara de revelar os tesouros de Sua sabedoria, tornou-se
silencioso e contemplativo. O silêncio fez reviver no coração das hostes a
lembrança daquela primeira excursão sideral, quando, depois de lhes mostrar as
riquezas do reino da luz, Deus tornou-se silencioso ante aquele abismo.
Lembram-se de Suas palavras: "Todos os tesouros da luz estarão abertos ao
vosso conhecimento, menos os segredos ocultos pelas trevas. Sois livres para me
servirem ou não. Amando a luz estareis ligados à Fonte da Vida".
Lúcifer, que passara a
cobiçar o trono de Deus, indagou-Lhe o motivo de Seu silêncio. O Criador,
contemplando-o com infinita tristeza, disse-lhe: "É chegada a hora das
trevas. Você é livre para realizar seus propósitos".
Vendo que o momento
propício para a propagação de sua teoria havia chegado, Lúcifer convocou os
anjos para uma reunião especial. As hostes, desejosas de conhecer o significado
do silêncio do Pai, tomaram seus lugares junto ao magnífico anjo, que sempre
lhes revelara os tesouros do reino da luz.
Lúcifer começou seu
discurso exaltando, como de costume, o governo do Eterno. Num amplo
retrospecto, lembrou-lhes as grandiosas revelações que os enriquecera em toda
aquela eternidade.
O silêncio divino,
apresentou-o como sendo a indicação de que o Universo alcançara a plenitude do
conhecimento oriundo da luz. Silenciando, o Eterno abria-lhes caminho para o
entendimento de mistérios ainda não sondados, mantidos até então além dos
limites de Seu governo.
Surpresas, as hostes
tomaram conhecimento da experiência de Lúcifer sobre as trevas. Com eloqüência,
ele falou-lhes da ciência do bem e do mal, indicando-a como o caminho das
maiores realizações.
O efeito de suas palavras
logo se fez sentir em todo o Universo. A questão era decisiva e explosiva,
gerando pela primeira vê discórdia. Os seres racionais, em sua prova, tinham de
optar por permanecer somente com o conhecimento da luz, o qual
Lúcifer afirmava haver
chegado ao seu limite, ou se aventurar no conhecimento da ciência do bem e do
mal. No começo, os anjos debateram-se diante da questão, sendo logo depois todo
o Universo posto à prova. Dir-se-ia que a ciência do bem e do mal haveria de
arrebanhar a maior parte das criaturas, mas, aos poucos, muitos que a princípio
se empolgaram com a teoria, despertaram para a ilusão da mesma, reafirmando sua
fidelidade ao reino da luz. Ao fim desse conflito, que se arrastou por
longo tempo, revelou-se
um terço das estrelas do céu ao lado de Lúcifer, e as restantes, ainda que
abaladas pela prova ao lado do Eterno.
A ciência do bem e do mal
fora apregoada por Lúcifer como um novo sistema de governo. Mas como exercê-lo,
se o Eterno continuava reinando em Sião?
O conselho, formado pelos anjos rebeldes, passou a tratar disso.
Decidiram, finalmente, solicitar-Lhe o trono por um tempo determinado, no qual
poderiam demonstrar a excelência do novo sistema de governo. Caso fosse
aprovado pelo Universo, o novo sistema se estabeleceria para sempre; caso
contrário, o domínio retornaria ao Criador.
Foi assim que Lúcifer,
acompanhado por suas hostes, aproximou-se d'Aquele Pai sofredor, fazendo-Lhe
tal pedido.
O Eterno não era
ambicioso, apenas queria bem às Suas criaturas. Se a ciência do bem e do mal
consistisse realmente num bem maior, não Se oporia à sua implantação, cedendo o
trono a seus defensores. Mas Ele sabia que aquele caminho conduziria à
infelicidade e à morte.
Movido por Seu amor
protetor, o Criador desatendeu o pedido das hostes rebeldes, que se afastaram
enfurecidas.
Lúcifer e suas hostes
passaram a acusar o divino Rei, proclamando ser o seu governo de tirania.
Afirmavam ser sua
permanência no trono a mais patente demonstração de Sua arbitrariedade. Não
lhes concedera liberdade de escolha? Por que neutralizá-la agora, impedindo-os
de pôr em prática um sistema de governo superior?
As acusações das hostes
rebeldes repercutiram por todo o Universo, fazendo parecer que o governo do
Eterno era injusto.
Isto trouxe profunda
angústia àqueles que permaneciam fiéis ao reino da luz. Não sabendo como
refutar tais acusações, essas criaturas, emudecidas pela dor moral, ansiavam
pelo momento em que novas revelações procedentes do Criador pudessem
aclarar-lhes os mistérios desse grande conflito.
As acusações e blasfêmias
das hostes rebeldes alcançavam o ponto culminante quando o Eterno, num gesto
surpreendente, ergueu-se de Seu trono, como que pronto a deixá-lo. Os infiéis,
na expectativa de uma conquista, aquietaram-se, enquanto um sentimento de temor
penetrava no coração dos súditos da luz. Entregaria Ele o domínio de toda a
criação, para livrar-Se das vis acusações? De acordo com a lógica a partir da
qual Lúcifer fundamentava seus ensinamentos, não restava outra alternativa ao
Criador. Nesta tremenda expectativa, o Universo acompanhava os passos de Deus.
Num gesto de humildade, o
Criador despojou-Se de Sua coroa e de Seu manto real, depondo-os sobre o alvo
trono. Em Seu semblante não havia expressão de ressentimento ou ira, mas de
infinito amor e tristeza.
Com solenidade, o Eterno
proclamou que o momento decisivo chegara, quando cada criatura deveria selar
sua decisão ao lado da luz ou das trevas. Numa ampla revelação, alertou para as
conseqüências de um rompimento com a Fonte da Vida.
Lúcifer e seus seguidores
estavam conscientes da seriedade daquele momento.
Vendo que o Trono permanecia vazio, Lúcifer e
suas hostes, dominados pela cobiça, romperam definitivamente com o Criador
Ao ver um terço dos
súditos transpor as divisas da eterna separação, Deus deixou extravasar a dor
angustiante que por tanto tempo martirizava Seu coração, curvando-Se em
inconsolável pranto. Contemplando Seus filhos rebeldes, ergueu a voz numa
lamentação dolorosa: "Meus filhos, meus filhos! Já não posso chamá-los assim!
Queria tanto tê-los nos braços meus!
Lembro-Me quando os
formei com carinho! Vocês surgiram felizes e perfeitos, em acordes de esperança
em eterna harmonia!
Vivi para vocês,
cobrindo-os de glória e poder! Vocês foram a minha alegria! Por que seus
corações mudaram tanto? O que mais poderia eu ter feito para fazê-los
permanecer comigo? Hoje minh'alma sangra em dor pela separação eterna! Como
olharei para os lugares vazios onde tantas vezes rejubilantes ergueram as vozes
em hosanas festivas, sem me vir à mente um misto da felicidade e dor?! Saudade
infinita já invade o meu ser, e sei que será eterna!
Hoje o meu coração rompeu
e quebrou-se; as cicatrizes carregarei para sempre!
Depois de proclamar em
pranto tão dolorosa lamentação, o Eterno, dirigindo-Se a Lúcifer, o causador de
todo o mal, disse:
"Você recebeu um
nome de honra ao ser criado. Agora não mais o chamarão Lúcifer, mas Satã, O
Senhor das Trevas".
Depois de lamentar a perdição
das hostes rebeldes, o Eterno, em lentos passos, ausentou-se do jardim do Éden,
lugar do trono Universal.. Onde seria agora a Sua morada....
As hostes fiéis
acompanharam reverentes os Seus misteriosos passos de abandono, que pareciam
descerrar um futuro difícil, de sofrimentos e humilhações. Ocupariam os
rebeldes o divino trono, profanando-o como domínio do pecado? Esta indagação
torturava o coração dos súditos do Eterno.
Deixando Sua amada
Cidade, o Senhor da luz conduziu-Se, em meio às glórias do Universo, em direção
do abismo imenso, a respeito do qual silenciara até então. Ali deteve-Se mais
uma vez, emudecido, enquanto parecia ler nas trevas um futuro de grandes lutas.
Ante o sofrimento do Eterno, expresso na tristeza de Seu semblante, os fiéis
puderam finalmente compreender o significado daquele misterioso abismo:
consistia numa representação simbólica do reino da rebeldia.
Na face entristecida de
Deus manifestou-se, por fim, um brilho que aos fiéis animou. Erguendo os
poderosos braços ante as trevas, ordenou em alta voz: "Haja luz."
Imediatamente, a luz de
Sua presença inundou o profundo abismo e, triunfando sobre as trevas, revelou
um mundo inacabado, coberto por cristalinas águas. Com esse gesto, iniciava o
Eterno uma grande batalha pela reivindicação de Seu governo de luz; batalha do
amor contra o egoísmo; da justiça contra a injustiça; da humildade contra o
orgulho; da liberdade contra a escravidão; da vida contra a morte. Batalha que,
sem trégua, se estenderia até que, no alvorecer almejado, pudesse o divino
Rei retornar vitorioso ao
santo monte Sião, onde, entronizado em meio aos louvores dos remidos, reinaria
para sempre em perfeita paz. As trevas, em sua fuga, apontavam para o
aniquilamento final da rebeldia.
As águas abundantes que
cobriam aquele mundo, até então oculto, simbolizavam a vida eterna que para os
fiéis seria conquistada pelo amor que tudo sacrifica.
O mundo revelado era a
Terra. Visitada pelas trevas e pela luz, ela seria o palco da grande luta.
Rejubilavam-se os fiéis
ante o triunfo da luz naquele primeiro dia, quando as trevas em sua fúria
rolaram sobre o planeta, sucumbindo-o em densa escuridão. A luz, que parecia
vencida, renasceu vitoriosa num lindo alvorecer.
Ao raiar a luz do segundo
dia, o Eterno ordenou: "Haja uma expansão no meio das águas, e haja
separação entre água e águas."
Imediatamente, o calor de
Sua luz fez com que imensa quantidade de vapor se elevasse das águas,
envolvendo o planeta num manto de transparência anil. Surgiu assim a atmosfera,
com sua mistura perfeita de gases que seriam essenciais à vida que em breve
coroaria o planeta. O Criador, contemplando a expansão, denominou-a
"céus".
A atmosfera, que cheia de
brilho envolvia a Terra, sombreou-se ao sobrevir o crepúsculo de um outro
entardecer.
A Criação do Universo 3
Ao serem vencidas as trevas no terceiro dia, o
Criador prosseguiu Sua obra, fazendo surgir os imensos continentes que ainda
estavam sob a superfície das águas. Com as mãos erguidas ordenou:
"Ajuntem-se as águas debaixo dos céus num lugar e apareça a porção
seca."
Em pronta obediência, as
cristalinas águas cederam sua posição superior à porção seca que se ergueu,
sobrepondo-se a elas.
Nas regiões baixas da
Terra, as águas continuariam refletindo o brilho celeste, sendo um refrigério
para as criaturas sedentas.
Nesse gesto de humildade,
as águas prefiguravam o Criador, que na grande luta desceria ao mais profundo
abismo para fazer renascer nas almas sedentas a vida eterna.
Contemplando a face
daquele novo mundo, o Eterno denominou a parte seca "terra", e ao
ajuntamento das águas chamou "mares".
Com Sua poderosa voz
prosseguiu, ordenando: "Produza a terra erva verde, erva que dê semente,
árvore frutífera que dê fruto segundo a sua espécie, cuja semente esteja nela
sobre a terra."
Em obediência ao mando
divino, a superfície sólida do planeta revestiu-se de toda sorte de vegetação:
lindos prados a florir, campos verdejantes entrecortados por rios cristalinos,
florestas sem fim.
Enquanto com admiração as
hostes contemplavam as belezas daquela criação, surpreenderam-se ao reconhecer
sobre o novo planeta o jardim do Éden, lugar do trono divino. O Eterno, pelo
poder de Sua palavra, o havia transferido para o seio daquele mundo especial,
onde em justiça seria confirmado o governo do Universo.
Contemplando Sua obra, o
Criador com felicidade exclamou: "Eis que tudo é muito bom."
As hostes fiéis agora
podiam compreender melhor a importância da luz divinal. Sua ausência havia
ofuscado, naquela noite, as belezas de Sião.
Nesse novo dia, o Criador
expressaria o Seu grande poder, dando à Terra luminares que a encheriam de luz
e calor. Esses luminares permaneceriam para sempre como símbolos da presença
espiritual do Eterno, que é a fonte de toda a luz.
Contemplando o espaço
escuro e vazio que se estendia ao redor da Terra, com potente voz ordenou:
"Haja luminares na expansão dos céus, para haver separação entre o dia e a
noite; sejam eles para sinais e para tempos determinados, para dias e anos. E
sejam para luminares na expansão dos céus para alumiarem a Terra."
Imediatamente, o espaço
tornou-se radiante pelo brilho do sol e pelo reflexo de planetas e estrelas.
Ante esta demonstração de poder, as hostes fiéis curvaram-se em reverente
adoração.
No quarto dia, o Eterno
criou os mundos de nosso sistema solar não para serem habitados como a Terra,
mas para o equilíbrio do sistema. Encheriam também o céu de fulgor, abrandando
as trevas das noites terrenas.
Volvendo os olhos para a
Terra, as hostes alegraram-se por vê-la radiante em cores. Bem próximo dela
podia-se ver a Lua que, com seu reflexo prateado, afugentaria as profundas
sombras noturnas.
Envolvidos por esse
cenário encantador, os filhos da luz, rejubilantes, saudaram o alvorecer do
quinto dia, que seria de muitas surpresas. O Eterno tornaria a Terra festiva
pela presença de infindáveis espécies de animais irracionais que habitariam
toda a superfície do planeta. Essa criação teria continuidade no sexto dia.
Erguendo as poderosas mãos, o Criador, olhando primeiramente para as
cristalinas águas, ordenou: "Produzam as águas abundantemente répteis de
alma vivente."
De imediato, as águas
tornaram-se ondulantes pela presença de incontáveis espécies de répteis . Desde
os seres microscópicos até as grandes baleias, todos surgiram em completa
harmonia, refletindo em sua natureza o amor do Criador.
Pousando os olhos sobre a
atmosfera anil que repousava sobre as verdejantes florestas, o Eterno
continuou: "Voem as aves sobre a face da expansão dos céus".
Mediante Sua ordem, os
Céus encheram-se de pássaros coloridos que, voando em todas as direções, tinham
no coração um cântico de gratidão pela vida. Esse cântico encheu o ar,
misturando-se com o perfume das matas floridas.
Contemplando com prazer
Suas criaturas terrenais, o Eterno abençoou-as dizendo: "Frutificai e
multiplicai-vos e enchei as águas nos mares, e as aves se multipliquem na
Terra."
Alvorecer do sexto dia.
Erguendo os potentes braços, o Eterno ordenou: "Produza a Terra alma
vivente conforme a sua espécie: gado, répteis e bestas-feras da terra, conforme
a sua espécie."
Sua voz poderosa foi
prontamente ouvida e, nas florestas e campos, pôde-se ver o resultado de Seu
poder criador. Animais de todas as espécies despertaram numa existência feliz,
em meio a um paraíso de perfeita paz.
Movendo-Se com majestade,
o Eterno baixou às glórias do novo mundo, dirigindo-Se ao jardim do Éden, lugar
do divino trono. Os anjos da luz acompanharam-nO reverentes, detendo-se qual
nuvem sobre os céus do paraíso. Todo Universo observava com profundo interesse
o desdobramento dos atos do Criador, em resposta às acusações de seus inimigos.
O momento era decisivo.
Tudo indicava que o Eterno demonstraria não ser tirano nem egoísta, coroando
alguém sobre o monte Sião. Satã e seus seguidores não duvidavam de que o reino
lhes seria entregue e reinariam vitoriosos no seio daquele antigo abismo, onde
as trevas e a luz agora se entrelaçavam. Os súditos da luz estremeceram ante
essa perspectiva.
Junto à fonte do rio da
vida, o Eterno curvou-Se solenemente e, com os elementos naturais da Terra,
começou a moldar, com muito carinho, uma criatura especial. Depois de alguns
instantes, estava estendido diante do Criador o corpo, ainda sem vida, do
primeiro homem. O Eterno contemplou-o e, após acariciar-lhe a face fria e
descorada, soprou-lhe nas narinas o fôlego da vida e o homem começou a viver.
Como que despertando de
um sono, o homem abriu os olhos e contemplou a face meiga de Seu Criador que,
sorrindo, beijou-lhe a face agora corada e cheia de vida. Emocionou-se ao ouvir
o Eterno dizer-lhe com voz suave e cheia de afeição:
"Meu filho, meu
querido filho!" Por ter nascido do solo, o primeiro homem recebeu o nome
de Adão.
As hostes fiéis que
admiradas testemunhavam a grandiosa realização divina, emocionadas ante o gesto
humano, prostraram-se também em reverente adoração. Uniram então as vozes num
cântico de júbilo em saudação àquela criatura especial, que despertava para a
vida num momento tão decisivo para o Universo.
Com o coração cheio de
felicidade, Adão uniu-se aos anjos em seu cântico de louvor. Sua voz, ao ecoar
pelos arredores floridos, misturou-se ao canto das aves e ao mugir de animais
que se aproximavam em festa.
Num passeio de surpresas
inesquecíveis, Adão foi conscientizado das belezas de seu lar. Com admiração,
contemplou o monte Sião, donde jorrava o rio da vida, numa cascata de luz.
Com intensa alegria, Adão
tomava conhecimento das infindáveis espécies de animais que povoavam o jardim.
Todos eram mansos e submissos e viviam em perfeita harmonia e felicidade.
Observando os animais,
Adão percebeu que eles desfrutavam de um companheirismo especial. Via por toda
parte casais felizes que viviam um para o outro. Seus pensamentos voltaram-se
para o Seu Companheiro. Olhou ao derredor e ficou surpreso por não vê-Lo. O
Eterno havia Se ocultado propositalmente, tornando-Se invisível.
Adão sentia-se solitário
em meio àquele paraíso. Com quem partilharia sua felicidade e seu amor? Havia
ali os animais, mas eles eram irracionais, não podendo compartilhar de seus
ideais. Nascia em seu coração, ao caminhar solitário naquele entardecer, um
desejo ardente de encontrar alguém que pudesse estar sempre a seu lado.
Enquanto Adão olhava para
as distantes colinas na esperança de ver alguém, o Eterno apresentou-Se ao seu
lado e disse-lhe:
"Não é bom que o
homem esteja só; far-lhe-ei uma companheira."
Adão ficou feliz ao ouvir
do Criador essa promessa, justamente no momento em que tanto ansiava ter alguém
para estar sempre visível a seu lado.
Tomado por um profundo
sono, Adão reclinou-se no peito de seu amoroso Criador que, com carícias, o fez
adormecer. Em seu subconsciente surgiram os primeiros sonhos :
Contempla o olhar meigo
do Eterno; ouve o som harmonioso da música angelical; descobre as maravilhas ao
derredor: o monte Sião com seu arco-íris; o rio da vida; os prados em flor; os
animais que o saúdam em festa. Repetem-se em seus sonhos as cenas que o
envolveram em seu anseio; olha ao derredor na esperança de encontrar seu
companheiro, mas não o vê. Sente-se solitário em seu sonho, e isso o faz
procurar alguém com quem possa compartilhar sua existência. Seu olhar
estende-se por campinas verdejantes, divisando ao longe colinas floridas.
Enquanto caminha esperançoso, sente a brisa mansa a afagar-lhe os cabelos
macios. Conversa com a brisa: "Brisa, você parece ser quem tanto procuro;
você me afaga os cabelos; beija minha face; você tem o perfume das verdes
matas. Se eu pudesse ver sua face, beija-la-ia; se eu pudesse tocar os seus
cabelos, faria longas tranças e as enfeitaria com as flores do nosso
jardim!"
Após caminhar em sonho
pelos prados do paraíso, Adão deteve-se enquanto contemplava a paisagem ao
redor. Admirou-se por não ver o efeito da brisa nos ramos floridos. Mas como,
se a sentia calidamente no rosto? Começou então a despertar de seu sonho. Ainda
com os olhos fechados lembrou-se do momento em que, sonolento, recostara-se no
peito do Eterno. Seria a brisa o afago de Suas mãos? Com esta indagação abriu
os olhos e emocionou-se ao contemplar uma linda mulher que, com as mãos
perfumadas, acariciava-lhe a face com amor. Era a brisa de seu sonho; a
promessa de um Criador que só queria fazê-lo feliz.
Agora Adão era completo,
pois tinha Eva, que era carne de sua carne e ossos de seus ossos.
Tomando-a pela mão, Adão
convidou-a para um passeio de surpresas inesquecíveis. Mostraria à sua
companheira as belezas de seu lar.
Sensibilizada Eva
detinha-se a cada passo, atraída pelas flores que exalavam suaves perfumes;
pelos pássaros que gorjeavam alegres cantos; pelos animais que os seguiam
submissos; pela vegetação de ricos matizes; pelas águas cristalinas do rio da
vida que jorravam em cascata do monte Sião. Tudo no paraíso era perfeito e
belo, mas nada se igualava ao ser humano, criado à imagem de Deus. Voltaram-se
um para o outro em admiração e carícias. Embalados por esse amor, permaneceram
até o entardecer.
Com deleite, o jovem
casal passou a contemplar o sol poente que, através de rosados raios, coloria o
céu em lindo arrebol.
Era o sexto dia que
chegava ao seu final, dando lugar às horas de um dia especial: o sábado. Esse
dia, em seu significado, seria solene para todos os súditos do Eterno, pois seu
alvorecer traria a vitória para o reino da luz.
Indagavam o sentido das
trevas quando, por entre as ramagens, viram um lindo luar, cujos raios
prateados banhavam a natureza em suave luminosidade. Todo o céu estava
iluminado pelo fulgor das estrelas. Admirados, descobriram que a noite somente
era trevas quando se olhava para baixo.
Adão e Eva em sua
inocência não sabiam que aquela noite simbolizava o futuro sombrio da
humanidade. Quando o compreendessem, ficariam confortados ao contemplar o
fulgor dos céus: o luar falaria de esperança e as estrelas cintilantes
testemunhariam o interesse das hostes da luz em aclarar-lhes as trevas morais,
dando alento aos pecadores. Mas seriam iluminados apenas aqueles que, desviando
os olhos da Terra, contemplassem os altos céus.
Após contemplar por algum
tempo o céu em sua luminosidade, o casal, lembrando-se das belezas do paraíso,
volveu os olhos, buscando divisá-las. Estavam, porém, ocultas em meio às
sombras. Quanto almejavam o alvorecer, pois somente ele traria consigo o
paraíso!
Ante o anseio do coração
humano, o Eterno surgiu em meio às trevas, devolvendo ao casal a alegria de se
encontrar novamente num jardim colorido.
Banhados em suave luz,
caminhavam agora por prados verdejantes e floridos. o brilho do Criador
despertava a natureza por onde passavam, colorindo e alegrando tudo em
derredor. O casal, admirado, aprendeu que ao lado do Eterno poderiam ter um
paraíso em plena noite.
Sentindo-se sonolentos,
Adão e Eva recostaram-se no colo do amoroso Pai, que os faz adormecer
docemente, esperançosos de um despertar feliz. Deitando-os sobre a relva macia,
o Eterno elevou-Se indo para junto das hostes contemplativas. Voltaria a
manifestar-Se ao alvorecer, fazendo o casal despertar para o mais solene
acontecimento, que reduziria a pó as vis acusações dos inimigos.
A noite escura e fria,
através de suas longas horas, parecia zombar da luz. Ofuscaria para sempre as
belezas da criação? Oh, jamais! O sol não recuaria ante a imponência das
trevas; surgiria em breve como um libertador, arrebatando com seus cálidos
raios a natureza das frias garras, dando-lhe vida e cor.
Num último desafio, as
trevas tornaram-se densas nas horas que antecederam o alvorecer. A noite
arregimentava suas forças para lutar pelo domínio usurpado.
Finalmente, surgiu no
leste um lampejo que parecia falar de esperança em um novo dia. O céu aos
poucos tornou-se colorido de um vermelho vivo. As trevas impotentes recuaram
ante a força crescente da luz e foram consumidas em sua fuga. A natureza
começou a despertar da longa noite, refletindo em seu seio os saudosos raios.
Flores abriram-se, exalando perfumes de alegria; animais e aves, silenciados
pela noite, uniram as vozes num cântico triunfal em saudação ao alvorecer
daquele dia grandioso.
A negra noite chegara ao
fim, dando lugar à luz do dia sonhado - dia que para Deus tinha um sentido
especial, pois prefigurava a final vitória de Seu reino sobre o domínio da
rebeldia.
O Eterno agora
despertaria Seus filhos humanos que, banhados pela luz de Sua presença, haviam
adormecido na esperança de um alvorecer feliz. Numa marcha festiva, todas as
hostes santas, com cânticos de vitória, acompanharam-nO rumo ao paraíso banhado
em luz. Quando já estavam próximos, o Criador deteve-Se contemplando o casal
adormecido, e exclamou suavemente: "Acordem meus filhos." Sua voz
penetrou nos ouvidos de Adão e Eva, despertando-os para a mais feliz comunhão.
Quão depressa raiara a acalentada manhã, trazendo em sua luz o doce paraíso,
perdido naquela noite! Com alegria o casal saudou o divino Criador, unindo-se
aos anjos em antífonas triunfais.
O Universo vivia um
momento deveras solene. Naquela manhã festiva, o Eterno haveria de revelar a
grandeza de Seu caráter, que é justiça e amor. As acusações de que Seu governo
era de egoísmo e tirania seriam refutadas.
Aos olhos de todas as
criaturas racionais do vasto Universo, Deus conduziu o jovem casal ao monte
Sião, lugar do divino trono. Ali, ante o estremecimento das hostes emudecidas,
o Criador, num gesto surpreendente, cobriu o homem com o manto real, colocando
sobre sua cabeça a coroa que fora cobiçada por Lúcifer.
Movidos por profunda
gratidão pela suprema honra conferida, Adão e Eva prostraram-se reverentes,
depondo aos pés do
Criador sua coroa
preciosa, em sinal de submissão. Seguiu-se a esse gesto humano um brado de
vitória que sacudiu toda a Criação. Os filhos da luz, que por tanto tempo
haviam sofrido afrontas e humilhações ante as constantes acusações das hostes
rebeldes, exaltaram em retumbante louvor o Deus bendito, que em Sua obra de
justiça desmentira os inimigos, revelando Seu caráter de humildade,
desprendimento e amor.
Tendo constituído o homem
como o senhor de toda a criação, o Eterno, com voz solene, passou a
conscientizá-lo da grandiosidade de sua missão. Como um guardião, deveria
cuidar do paraíso, mantendo límpida a fonte do rio da vida. As leis da justiça
e do amor, fundamentos do reino da luz, deveriam ser honradas. Como um cetro
racional, caberia ao homem, em gesto de reconhecimento e gratidão, aceitar
livremente o governo d'Aquele que o criou.
As hostes, que
maravilhadas testemunhavam a revelação do desprendimento divino, compreenderam
que o Senhor da Luz não governaria mais o Universo, a não ser com o
consentimento humano. O homem, pela vontade do Eterno, fora feito o árbitro da
criação; em seu glorioso ser, feito à imagem do Criador, resplandecia o selo do
eterno domínio.
Após revelar ao casal a
infinita honra e responsabilidade de sua missão, o Criador conscientizou-o do
conflito espiritual que se travava pela conquista do domínio universal:
Lúcifer, que por incontáveis eras servira ao divino Rei em Sião, havia sido
corrompido pelo orgulho e pelo egoísmo, sendo seguido por um terço das hostes
racionais; buscavam agora destronar o Eterno, desonrando-O com vis acusações.
Tendo revelado ao ser
humano a dolorosa situação em que o Universo se encontrava, o Eterno, num gesto
solene, mostrou-lhe
duas altaneiras árvores
que, carregadas de grandes frutos, se erguiam em ambas as margens do rio que
nascia do trono. A que se elevava à direita revelou o Senhor ser a árvore da
vida monumento do reino da luz. A que se erguia à outra margem revelou ser a
árvore da ciência do bem e do mal - símbolo da rebeldia.
Comendo do fruto da
árvore da vida, o homem manifestaria sua submissão ao Criador, que é Fonte de
vida e luz. Comer da outra árvore seria entregar ao inimigo o domínio de Sião.
O inevitável resultado desse passo seria a morte eterna, não somente para o ser
humano, mas para toda a criação, que se reduziria ao caos sob a fúria da
rebeldia.
Após contemplar
demoradamente as duas altaneiras árvores, que externavam em seus frutos tão
infinita responsabilidade,
Adão prostrou-se ante o
Criador, dizendo: "Digno és Senhor de reinar sobre o Universo, pois pela
Tua sabedoria, amor e poder todas as coisas foram criadas e subsistem."
O sábado, emblema do
triunfo divino, encheu-se de louvor. Todos os filhos da luz uniram-se ao ser
humano no mais harmonioso cântico de exaltação Àquele cuja grandeza é sem par.
Foi com espanto que Satã
e seus seguidores testemunharam a grandiosa realização do Eterno. Presenciaram
com amargura a alegria dos fiéis ante a coroação do homem- acontecimento que
lançara por terra as fortes acusações que eles havia levantado contra o governo
divino. Cheios de frustração e ira, consideravam agora sua triste condição.
Quão terrível e humilhante era-lhes o pensamento de verem seus planos de
rebeldia desfazerem-se diante do Criador, semelhantes às sombras daquela noite.
Se pudessem, pensavam, encheriam o sábado de trevas, banindo da mente dos
súditos do Eterno qualquer esperança de vitória.
Finalmente, em suas
considerações, Satã e seus liderados compreenderam que lhes restava uma
oportunidade: no meio do jardim do Éden, nas alturas de Sião, elevava-se, junto
ao rio da vida, a árvore da ciência do bem e do mal. Bastaria um gesto humano,
nada mais, e teriam sob seu poder, para sempre, o domínio cobiçado. Mas como
seduzi-lo?
Animado ante a
perspectiva de uma conquista, Satã procurou, com engenhosidade, arquitetar um
plano de abordagem. Sabia que, se falhasse em sua tentativa, todas as
esperanças de triunfo ter-se-iam diluído, desfazendo-se todos os seus sonhos de
aventura. Concluiu que o engano haveria de ser sua poderosa arma. Não fora
através dele que conseguira dominar um terço das hostes celestes?! Aguardaria,
portanto, um momento propício para armar sua cilada.
A Criação do Universo 4
O Éden pairava uma perfeita paz. Por
todos os lados os passarinhos faziam
ouvir seus alegres trinos em louvor constante ao Criador. Toda a natureza a
florir parecia proclamar um reino de eterna alegria. Os animais
sempre submissos ao homem, o senhor daquele
paraíso encantador.
Tudo era felicidade para
o casal; mas esta tornava-se mais intensa na viração daqueles dias primaveris.
O arrebol, que com sua beleza coloria o céu prenunciando as escuras noites,
anunciava-lhes também o momento da visita diária do Eterno. Juntos, sob a luz de
Sua presença, passavam longo tempo em
conversação. Com ânimo, o casal contava ao Senhor as surpreendentes
maravilhas que iam descobrindo a cada dia na natureza. Deus, com carinho,
descerrava-lhes o significado de cada ser.
Como Ele fora bom,
trazendo-os à existência e concedendo-lhes um lar tão cheio de delícias! Ao
despertarem para as alegrias de cada dia, vinham-lhes à lembrança as carícias e
o doce canto do Eterno, que os fazia adormecer todas as noites.
A vida de Adão e Eva no
Éden não era de ociosidade. A eles foi recomendado o cuidado do jardim. Sua
ocupação não era cansativa, ao contrário, era agradável e revigorante. O
Criador indicara o trabalho como uma fonte de benefícios para o homem, a fim de
ocupar-lhe a mente e fortalecer-lhe o corpo, desenvolvendo-lhe todas as
faculdades. Na atividade mental e física, o homem encontrava um elevado prazer.
Era comum ao jovem casal
receber visitas de seres celestes. Aos visitantes sempre tinham novidades a
relatar e perguntas a fazer. Passavam longo tempo ouvindo deles sobre as
maravilhas do reino de luz. Através desses visitantes, Adão e Eva passaram a
ter amplo conhecimento da rebelião de Lúcifer e de suas eternas conseqüências.
Aos visitantes, Adão e Eva sempre pediam que lhes ensinassem os harmoniosos cânticos
celestiais. Como se deleitavam ao unirem as vozes ao coro angelical!
Em Sua onisciência, Deus
tinha conhecimento do terrível intento do inimigo. Convocando as Suas hostes
principais, revelou-lhes com pesar o iminente perigo que pairava sobre o
Universo. Satã haveria de armar uma cilada, a fim de levar o homem a comer da
árvore da ciência do bem e do mal. Ante essa revelação, os filhos da luz
ficaram temerosos, pois conheciam a tremenda facilidade de Satã em enlaçar
criaturas inocentes e atirá-las em suas malhas de morte.
No solene concílio, sem a
autorização de Deus, decidiram enviar, com urgência, mensageiros para
advertirem o homem do grande perigo. Dois poderosos anjos foram encarregados
dessa decisiva missão.
Imediatamente, os
mensageiros comissionados irromperam pelos portais de Jerusalém, alcançando o
seio do espaço infinito.
Em instantes,
transpuseram imensidões, cruzando todo o
universo.
Podiam agora divisar a pouca distância o
Jardim do Éden, onde o destino do Universo estava para ser decidido.
Adão e Eva viram então no
límpido céu o sinal da aproximação dos visitantes celestes e a eles ergueram os
braços numa alegre saudação. Adão e Eva admiraram-se, porém, por não verem no
semblante deles a mesma alegria. Os visitantes traziam na face uma expressão de
anseio que eles não podiam entender. Tentaram mudar-lhes a triste feição,
contando-lhes as novas descobertas feitas no paraíso. Os mensageiros, todavia,
não tendo tempo disponível como outrora, interromperam-nos com palavras de
advertência. Satã haveria de armar-lhes uma cilada, a fim de levá-los a comer
do fruto da árvore da ciência do bem e do mal. Se dessem ouvi dos à tentação,
fariam sucumbir toda a criação no abismo de um eterno caos.
Os anjos lembraram-lhes
que o reino lhes fora confiado como um sagrado depósito, devendo, em uma vida
de fidelidade, honrar Aquele que por amor esvaziou-Se, colocando-Se numa
posição de hóspede do ser humano. Adão e Eva deveriam ser firmes ante as
insinuações do inimigo, pois assim selariam a eterna vitória do reino da luz.
Falando-lhes da feliz
recompensa que se seguiria ao seu triunfo, os anjos revelaram que era plano de
Deus a transferência de
Jerusalém Celeste para a
Terra. Ali, novamente acoplada ao paraíso, permaneceria para sempre. E o homem,
submisso ao
Criador, reinaria pelos
séculos sem fim sobre o monte Sião, em meio aos louvores das hostes universais.
Mas tudo isso dependia
inteiramente do posicionamento humano frente às tentações do inimigo, que faria
de tudo para arrebatar-lhe o reino.
Adão e Eva ficaram
temerosos ao conhecerem os planos de Satã, mas foram consolados ao saber e que
ele não poderia fazer-lhes nenhum mal, forçando-os a comer do fruto proibido.
Se, porventura, procurasse intimidá-los com seu poder, todas as hostes do
Eterno viriam em seu socorro.
Os mensageiros da luz
concluíram sua missão recomendando ao casal permanecerem vigilantes, tendo
sempre em mente a responsabilidade que sobre eles repousava.
Adão e Eva, agradecidos
pelas advertências dos anjos, uniram as vozes num cântico de promessa em uma
eterna vitória.
Estavam certos de que
jamais abandonariam o bendito Criador, ouvindo a voz do tentador.
Animados ante a promessa
humana, os dois mensageiros retornaram ao seio da Jerusalém Celeste onde, junto
às hostes santas, aguardariam com anseio
o anelado triunfo.
Satã viu aproximarem-se
do paraíso os mensageiros e ouviu o canto do homem prometendo uma eterna
vitória. Esse cântico fez com que sua inveja e ódio aumentassem de tal maneira
que não os pôde conter. Disse então a seus seguidores que em breve faria
silenciar aquela voz.
As hostes rebeldes
ficaram curiosas para conhecer os planos de seu chefe, mas foram por ele
advertidas de que deveriam aguardar até que tudo ficasse para sempre decidido.
Se o homem ouvisse sua voz, comendo do fruto da árvore da ciência do bem e do
mal, seria vitorioso, possuindo para sempre o domínio do Universo. Caso o homem
resistisse, permanecendo fiel ao
Criador, já não haveria
qualquer esperança para eles.
O paraíso parecia estar
envolvido por uma eterna segurança, mas no semblante do homem podia ser vista
uma expressão de temor. Desde a partida dos anjos, Adão e Eva permaneciam
silenciosos, meditando com reverência sobre a tremenda responsabilidade de sua
missão. Pensavam na seriedade daquela iminente prova que haveria de selar o seu
futuro e o de toda a Criação. Animados, contudo, ante o pensamento da vitória,
uniram mais uma vez as vozes num cântico que expressava a certeza do triunfo
anelado.
Satã, que observava
atentamente o casal, percebeu estar chegando a sua oportunidade. Aproximou-se
de forma invisível do paraíso, e ficou esperando o melhor momento.
Inconsciente da presença
do inimigo, o casal continuava em sua desprendida alegria. No semblante transtornado de Satã estampou-se
um maldoso sorriso, ao presenciar um descuido do casal: em sua exaltação,
haviam afastando-se um do outro. O
astuto inimigo, não perdendo tempo, apossou-se de uma serpente, a mais bela do
paraíso, fazendo-a aproximar-se graciosamente de Eva.
Eva, que assentada no
gramado brincava com os animais, percebeu a presença da atraente serpente, cujo
corpo refletia as cores do arco-íris. Ficou admirada ao vê-la colher flores e
frutos do jardim, depositando-os a seus pés. Agradecida, tomou-a nos braços,
dedicando-lhe afeto.
Tendo conquistado a
afeição da mulher, Satã, em sua astúcia, começou a atraí-la para junto da
árvore da ciência do bem e do mal. Sem se dar conta do perigo, Eva acompanhou a
serpente até a árvore da prova. Ali, tendo nos braços o inimigo velado,
acariciou-o e disse-lhe palavras de carinho. Tendo nos olhos o brilho da
sedução, a serpente pôs-se a falar. Suas palavras eram cheias de sabedoria e
ternura e sua voz como a de um anjo. Eva mal pôde crer no que via. Sua alegria tornou-se
imensa por ter nos braços uma criatura tão fantástica. Passaram a conversar
sobre muitas coisas: o amor; as belezas do jardim; o poder do Criador. Eva
ficou admirada ante o conhecimento tão vasto da serpente, que discorria com
maestria sobre qualquer assunto. Envolvida por essa experiência, Eva
esqueceu-se completamente de seu companheiro. Nem sequer passavam pela sua
mente as advertências dos anjos.
Subitamente o coração de
Adão pulsou forte por não ver Eva a seu lado. Ergueu então a voz num grito
ansioso. Sua voz, ecoou pelo paraíso,
contudo, não trouxe consigo uma resposta. O silêncio quase o sufocou. Em sua
aflição pôs-se a correr de um lado para outro, procurando-a, em vão. Nessa
ansiosa busca, sentiu a brisa afagar-lhe os cabelos e recordou seu primeiro
sonho. Essa lembrança, no entanto, desfez-se ante o pensamento do perigo que os
ameaçava.
Com a mente tomada por um
grande senso de culpa, Adão apressou o passo na aflitiva procura. Onde estaria
a sua amada? Mais uma vez ergueu a voz
num grito ansioso que repercutiu por todo jardim: "Eva, onde você
está?" Aguardou uma resposta, mas ouviu somente um eco vazio que o
desesperou.
Lembrou-se da árvore da
ciência do bem e do mal; ali era o único lugar que não fora procurado.
Com a serpente em seus braços,
Eva interrogou-a a respeito de muita coisa. Maravilhou-se ao perceber que a
serpente a sobrepujava grandemente em conhecimento. Cheia de curiosidade,
perguntou à serpente:
- Onde está a fonte de
seu tão grande saber? Responda-me, pois quero também possuí-la.
Sem perder tempo, Satã,
apontando para a árvore da ciência do bem e do mal, respondeu:
- Ali está a fonte de
todo meu saber.
Ele conta então uma
mentirosa história: disse que era uma serpente como as demais, comendo dos
frutos do paraíso. Provando certo dia daquele fruto especial, recebeu, como que
por encanto, todas as virtudes.
Olhando para a árvore da
ciência do bem e do mal, Eva ficou surpresa e confusa. Privaria o Criador em
seu amor algo tão bom às suas criaturas?! Vendo-a surpresa, Satã perguntou:
- É assim que Deus disse:
Não comereis de todas as árvores do jardim?
Eva, inquieta, respondeu:
- Dos frutos das árvores
do jardim comemos, mas do fruto dessa árvore que você diz ser fonte de
sabedoria, disse Deus: "Não comereis dele, para que não morrais."
A serpente em tom de
desdém disse:
- Isso é falso. Se fosse
assim, eu teria morrido. Certamente o Eterno os proibiu de comer dessa árvore
para impedir que o homem venha a se tomar como Ele, conhecendo todas as coisas.
As palavras sedutoras da
serpente causaram confusão na mente de Eva. Em quem confiaria? Tinha em mente a
lembrança da ordem do Criador e de sua sentença, mas ao mesmo tempo tinha
diante de si uma prova palpável que O contradizia.
Num desafio, a serpente
colheu frutos da árvore proibida e passou a saboreá-los. Colocando um fruto nas
mãos da mulher, incentivou-a a comer, dizendo:
- Não disse o Eterno que
se alguém tocasse nesse fruto morreria?
Em Jerusalém havia grande
comoção. Poderosos anjos apresentaram-se diante do Criador, solicitando
permissão para esmagarem o covarde inimigo, oculto naquela serpente. O Eterno,
contudo, impediu-lhes tal ação. Deviam
respeitar o livre-arbítrio concedido ao homem, podendo ele manifestar sua
escolha sob a tentação do inimigo.
Os filhos da luz sofriam
imensamente ao verem a mulher duvidando dAquele que tão bondosamente lhes dera
a vida e a oportunidade de reinarem naquele paraíso. Como poderia duvidar de
quem lhes dedicava tanto amor?!
Eva vacilava em sua
convicção ao contemplar o fruto em suas mãos. Seu brilho, seu encanto, uma
forte magia atraia aquele fruto a sua boca. Por alguns momentos o futuro
pareceu-lhe sombrio e aterrador, mas venceu esse sentimento, pensando nas
glórias que haveria de conquistar ao comer aquele fruto. Ainda um tanto indecisa,
ergueu vagarosamente as mãos até tocar o fruto com os lábios.
Os súditos do reino da
luz, estremecidos, inclinaram-se tomados por grande espanto. Parecia quase
impossível, àquela altura, a mulher voltar atrás.
Enquanto pálidos os fiéis
indagavam sobre uma possível esperança, presenciaram com horror a terrível
decisão de Eva: resolvera romper para sempre com o Criador, tornando-se cativa
da morte.
O Eterno, que em silêncio
e dor contemplava aquela cena de rebelião, curvou a fronte.
Os fiéis, que em pânico julgavam-se
vencidos, foram conscientizados de que nem tudo estava perdido. Se Adão
resistisse à tentação, permanecendo fiel ao Eterno, ele selaria a grande
vitória. Eva, que fora vítima de um engano, poderia ser conscientizada de seu
erro, sendo favorecida com o perdão divino.
Quando Adão em sua
angustiosa corrida alcançou o lugar da árvore, já era tarde demais. Assentada
junto ao rio, Eva saboreava despreocupadamente o fruto proibido. Adão
estremeceu. Seria mesmo o fruto da prova? Num gesto de esperança olhou para a
árvore da ciência do bem e do mal, mas em pranto reconheceu a triste
condenação. Cheio de tristeza contemplou sua esposa, mas não encontrou palavras
para despertá-la para tão amarga realidade. Em completo desespero, ergueu a voz
numa dolorosa exclamação:
"Eva, Eva, o que
você está fazendo!"
Ao comer do fruto
proibido, a mulher foi tomada por emoções que a fizeram imaginar haver
alcançado uma esfera superior de vida. Ao ouvir a voz de seu esposo, ainda
tomada pelas ilusórias emoções, ergueu a fronte estampando um sorriso, mas
surpreendeu-se ao vê-lo chorando.
Com profunda amargura,
Adão procurou saber a razão que a levara a rebelar-se contra o Eterno. Eva,
prontamente, passou a contar-lhe a fantástica história da sábia serpente.
Satã sabia que essa
história de serpente jamais convenceria o homem a comer do fruto da árvore
proibida. Precisava encontrar uma maneira sutil de levá-lo a selar sua sorte
seguindo os passos de sua esposa. Tendo Eva sob seu poder, resolveu fazer dela
o objeto tentador. Aguardaria o momento oportuno para enlaçá-lo.
No dia em que dela
comerdes, certamente morrereis. A lembrança desta sentença deixava Adão muito
aflito. A expectativa de ver sua amada perecendo em seus braços, era demais
para suportar. Esta aflição, contudo, foi diminuindo, ao ver que ela continuava
feliz e carinhosa ao seu lado, como se nenhum mal lhe houvesse acontecido.
Aliviado, Adão voltou a sorrir, correspondendo aos afetos de sua companheira.
Rendia-se às mais doces emoções, longe de saber que era o inimigo quem o
envolvia naqueles abraços.
Nesse momento de enlevo,
Eva começou a falar-lhe de sua experiência com a ciência do bem e do mal.
Falou-lhe dos tesouros da sabedoria que lhe haviam sido abertos. Em seu novo
reino, viveria muito feliz. Entretanto, essa felicidade seria incompleta sem a
participação de seu esposo. Falou-lhe da impossibilidade de retroceder em seus
passos, e insistiu para que ele a seguisse.
Depois de falar-lhe de
sua decisão, Eva, com um doce sorriso, estendeu-lhe as mãos contendo um fruto,
pedindo-lhe que o comesse numa demonstração de seu amor por ela.
Com a voz tentadora em
seus ouvidos, Adão assentou-se no gramado em profunda reflexão. Sua face
tornou-se novamente pálida e suas mãos trêmulas. Temia rebelar-se contra o
Criador, mas ao mesmo tempo compreendia que não conseguiria viver separado de
sua companheira, a quem amava com infinito amor. Eva era carne de sua carne, a
extensão de seu ser.
Sentia-se angustiado ao
ter de tomar uma decisão tão séria.
A palidez do rosto de
Adão refletiu-se no semblante de todos os fiéis ao Eterno. Ouviram a insinuação
do inimigo e perceberam com horror a vacilação do homem. A indecisão de Adão
deixava-os desesperados. Obedecesse ele àquela proposta de Satã, toda
felicidade seria eternamente banida. Nas decisões do ser humano estava o
destino de todo o Universo.
Depois de intensa luta
íntima, Adão olhou para sua companheira; a ela unira-se em promessas de uma
eterna entrega. Não a deixaria só agora. Partilharia com ela os resultados da
rebelião. Tomou então das mãos de Eva um fruto e, num gesto apressado, levou-o
à boca.
Procurando abafar a voz
de sua consciência, que lhe falava de uma eterna perdição, Adão lançou-se nos
braços de sua esposa, desfrutando o alto preço de sua rebelião.
Satã, com brados de
triunfo, deixou o paraíso, voando rapidamente para junto de suas inumeráveis
hostes, que aguardavam ansiosas o resultado de tão arriscada tentativa. Ao
saberem da desgraça humana, uniram-se numa estrondosa festa. Sentiam-se
seguros. Sião agora lhes pertencia por direito, podendo lá estabelecer um reino
eterno, jamais sendo molestados pelas leis do Eterno.
Em todo o Universo os
filhos da luz sofriam e pranteavam a derrota. Nunca houvera tanta tristeza e
horror ante o futuro. As vozes que viviam a entoar louvores ao Criador
proferiam agora lamentações.
O Eterno, antes mesmo de
criar o Universo já havia previsto esse triunfo da rebeldia e, em Sua sabedoria
e amor, idealizara um plano de resgate. Ordenou que Seus mais poderosos anjos
circundassem imediatamente o jardim do Éden, impedindo que Satã tomasse posse
do monte Sião. Consoladas ante a manifestação divina, as potentes criaturas, em
pronta obediência, romperam o espaço infinito, circundando em instantes o
paraíso, no seio do qual o ser humano, já transtornado pelo pecado, vivia o negror
de uma noite que seria longa e cruel.
Sendo a autoridade do
Eterno fundamentada na justiça, de que maneira poderia justificar Suas ações
diante dos inimigos? Não entregara por Sua vontade o reino ao homem, e esse por
livre escolha não o submetera a Satã? Enquanto surpresas as criaturas racionais
consideravam as ações decisivas de Deus, ouviram Sua potente voz que,
repercutindo por toda a criação, trazia a revelação do grande mistério -
revelação tão maravilhosa que a partir daquele momento, por toda a eternidade,
ocuparia a mente dos fiéis, sendo tema para as mais doces meditações.
O Eterno falou
primeiramente sobre a terrível condenação que pendia sobre o homem e toda a
criação. Disse que, ao se desligar da Fonte da Vida, o homem havia se
precipitado em tão profundo abismo que não poderia ser alcançado pelo Seu braço
de justiça e poder. Humilhado e torturado pelas garras do inimigo, não restava
ao homem outra sorte além da morte - fruto doloroso de sua espontânea rebelião.
Considerando a situação
humana, as hostes da luz não viam possibilidades de triunfo. Sabiam que só o
homem poderia retomar o domínio do inimigo, devolvendo-o ao Criador. Mas o ser
humano, eternamente escravizado em sua natureza, seria incapaz de tal vitória.
Com voz melodiosa e cheia
de ternura, Deus revelou o plano da redenção, dizendo: "Na verdade, o
homem colherá o fruto de sua rebelião numa terrível morte. Não posso, com o meu
poder, mudar-lhe a sorte. Se assim agisse, seria injusto diante de meu decreto.
Mas farei cair toda a condenação sobre um Substituto que surgirá na
descendência humana. Esse Homem não trará em suas mãos as algemas da morte,
sendo inocente e incontaminado em Sua natureza. Como representante da raça
humana, enfrentará Satã e o vencerá. Após triunfar nessa batalha, provando que
o amor é mais forte que o egoísmo, que a verdade é mais forte que a mentira,
que a humildade é mais poderosa que o orgulho, o fiel Substituto erguerá as
mãos vitoriosas não para saudar a grande conquista, mas para tomar das mãos da
humanidade escravizada a taça de sua condenação. Sorverá assim, submisso, o
cálice da eterna morte. Esse imenso sacrifício abrirá aos seres humanos uma
oportunidade de serem redimidos, voltando aos braços do Criador, juntamente com
o domínio perdido."
As hostes, surpresas ante
a revelação do Eterno, indagaram a identidade d'Esse Substituto. O Criador, com
um sorriso amoroso, disse-lhes:
"Parte de Mim será
esse Homem. O Meu Espírito repousará sobre uma virgem, e nela será gerado um
Filho Santo. Esse menino será divino e humano. Em sua humanidade, ele será
submisso à divindade que n'Ele habitará. Os remidos verão n'Ele o Pai da
Eternidade, o Criador e Redentor, o Rei dos reis. O Seu nome será Yoshua (nome
hebraico que traduzido significa o Eterno salva)."
Assumindo a natureza
humana, Deus poderia pagar o resgate, morrendo em lugar dos pecadores.
As hostes da luz ficaram
emudecidas ao conhecer o plano do Criador. O pensamento de verem-nO submeter-Se
a tão penoso sacrifício, a fim de redimir o domínio perdido, era demais para
suportarem. Não havia, contudo, outra esperança de vitória, a não ser através
dessa amorosa entrega.
Após desfrutar o pecado, o jovem casal sentiu-se mal.
Inicialmente sentiram um grande vazio no coração, que logo foi preenchido pelo
remorso e pela tristeza. Perceberam que, inspirados pela cobiça, haviam selado
sua triste sorte e a de toda a criação. Parecia-lhes ouvir ao longe o gemido de
um Universo vencido.
O sol, que os enchera de
vida e calor naquele dia, ocultava-se no horizonte, anunciando-lhes uma negra
noite. O arrebol, que até ali anunciara-lhes o feliz encontro com o Criador,
parecia envolvê-los numa sentença de que jamais despertariam para um novo dia.
Com o olhar voltado para o frio solo, vinha-lhes à lembrança a sentença:
"No dia em que dela comerdes, certamente morrereis." Desesperadas
lágrimas rolavam em seus rostos ao aguardarem o trágico fim.
Ao considerar o motivo de
sua rebelião, Adão começou a recriminar sua esposa por ter dado ouvidos à
serpente. Eva, por sua vez, procurando desculpar-se, lançou a culpa sobre o
Criador, dizendo: "Por que o Eterno permitiu que a serpente me
enganasse?!"
O amor que reinava no
coração humano desaparecia, dando lugar ao orgulho e ao egoísmo, que se fundiam
em ressentimentos e ódio. Sua natureza já não era pura e santa, mas corrompida
e cheia de rebeldia. Tudo estava mudado. Mesmo a brisa mansa que até ali os
havia banhado em carícias refrescantes, enregelava agora o culposo par. As
árvores e os canteiros floridos, que eram seu deleite, consistiam agora em
empecilhos ao caminharem sem rumo naquela noite.
O propósito de Satã em
encher o sábado de trevas parecia haver se cumprido. Naquela noite, não existia
sequer o reflexo prateado do luar para falar-lhes de esperança. As estrelas
cintilantes, suspensas no escuro céu, estavam ofuscadas pela dor.
Baixavam sobre o mundo as
trevas de uma longa noite de pecado - sombras sob as quais tantos se
arrastariam sem esperança de um alvorecer.
A noite já ia alta e as
trevas pareciam envolver o triste casal em eternas sombras quando surgiu
repentinamente um brilho no céu, que ia aumentando à medida que se aproximava
da Terra. O casal estremeceu, pois sabia que era o Criador que vinha dar-lhes o
castigo. Vencidos pelo pânico, puseram-se a correr, distanciando-se do monte
Sião, o lugar da vergonhosa queda. Justamente para ali viram o Criador
dirigir-Se. Eles, que sempre corriam ao encontro do amoroso Pai, atraídos por
Sua luz, fugiam agora desesperados em busca de lugares escuros, de densa
floresta.
O Eterno, movido por
infinito amor, passou a seguir os passos do casal fugitivo. Como tudo se transformara! Seus filhos não
conseguiam mais ver n'Ele um Pai de amor, mas alguém que, irado, buscava castigá-los.
Movido por forte anseio
de abraçar Seus filhos humanos, Deus fez ecoar a voz numa indagação:
"Adão, onde vocês se encontram?" Sua voz, ao soar em meio às trevas,
trazia consigo somente um eco vazio
Quantos, enganados por
Satã, fugiriam de Sua presença no decorrer da longa noite de pecado,
julgando-No um Senhor tirano, que vive buscando falhas e fraquezas nos
pecadores, a fim de castigá-los! O Criador, todavia, não desistiria de
procurá-los pelos vales sombrios do reino da morte, até conquistar um povo
arrependido.
Adão e Eva, exaustos pela
pressurosa fuga, esconderam-se por entre a folhagem de um pé de figueira.
Reconhecendo sua nudez, procuraram fazer aventais cosendo aquelas folhas.
Vestidos assim, julgaram poder livrar-se do sentimento de vergonha ante o
Criador.
O Eterno, aproximando-Se
do local onde o casal se escondia, perguntou:
- Adão, onde estão vocês?
Não podendo mais se
ocultar de Deus, Adão ergueu-se juntamente com sua companheira e, cabisbaixos,
apresentaram-se ao Criador, prostrando-se trêmulos a Seus pés. Não conseguiram
encará-Lo mais, devido ao senso de culpa.
O Criador,
carinhosamente, tomou-os pelas mãos, erguendo-os do chão, e, com expressão de
tristeza no semblante,
perguntou-lhes:
- Por que vocês fugiram
de Mim? Acaso comeram do fruto da árvore da ciência do bem e do mal?
Adão, todo trêmulo, com
voz entrecortada de temor, respondeu:
- A mulher que me deste
por companheira, ela deu-me o fruto e eu comi.
Com esta resposta, Adão
procurava desculpar-se, lançando a culpa sobre sua companheira.
Voltando-Se para Eva, o
Eterno indagou-lhe:
- Por que você fez isso?
Eva prontamente
respondeu-Lhe:
- Aquela serpente me
enganou e eu comi.
Ambos não queriam
reconhecer a culpa, lançando-a sobre outrem. Em suma, atribuíam ao Criador a
responsabilidade por todo o mal praticado: "Por que concedera-lhes o
livre-arbítrio? Por que criara a mulher? Por que criara a serpente?"
Deus observava Seus
filhos que, tímidos e desconcertados, permaneciam diante de Si. Com profunda
tristeza, Ele previu que essa seria a experiência de incontáveis seres humanos
no decorrer da história. Quantos haveriam de se perder por não reconhecerem a
própria culpa! Quantos procurariam justificar-se, lançando seus erros sobre os
outros e até mesmo sobre o Criador!
Com palavras brandas, o
Eterno procurou fazê-los reconhecer sua culpa. Somente reconhecendo sua
necessidade, poderiam ser ajudados.
Olhando para as frágeis
vestes tecidas por mãos pecadoras, disse ao casal:
- Filhos, essas vestes
são insuficientes, logo secando se desfarão. Vocês precisam de vestes
duradouras, que possam cobrir vossa nudez, livrando-vos da condenação. Se vocês
quiserem, Eu posso dar-lhes essa veste.
Ante as palavras bondosas
do Criador, que traziam esperança, o casal prostrou-se arrependido, despindo-se
de suas ilusórias vestes, símbolos de seu fracasso. Almejavam agora as vestes
da salvação, prometidas pelo divino Pai.
A Criação do Universo 5
Depois de contemplar Seus filhos que,
arrependidos, jaziam a Seus pés, o Eterno tomou-os carinhosamente pelas mãos e
os levantou. Alegrava-Se em poder revelar ao homem caído o plano da redenção.
Deus passou a
descerrar-lhes primeiramente os amargos resultados de sua queda, dizendo:
"Filhos, vocês selaram o destino de toda a criação nas garras da morte. A
desarmonia já permeia a natureza, procurando destruir nela todas as virtudes. O
abismo no qual vocês imergiram pela desobediência é por demais profundo para
que possam ser alcançados pelo meu poderoso braço. Assim, desligado da Fonte da
Vida, não resta mais ao ser humano outra sorte além da morte."
Depois de proferir estas
palavras que revelavam uma triste sorte, o Eterno convidou o casal a segui-Lo.
Cabisbaixos, Adão e Eva, em pranto, seguiram o Criador em Seus passos de
justiça, que encaminhavam-nos ao lugar da vergonhosa queda, onde supunham
encontrar o doloroso fim.
Enquanto caminhavam,
contemplavam através das lágrimas as belezas adormecidas banhadas pela luz de
Deus. Viam os inocentes animais, que não tinham consciência da grande dor
Subitamente, o casal se deteve, vencido por intenso pranto; seus vacilantes
passos os haviam levado para junto de um cordeiro, o animalzinho mais querido.
Seus olhinhos de meiguice haveriam também de se apagar!
Enxugando-lhes as
lágrimas, o Eterno ordenou-lhes tomar nos braços o inocente cordeiro.
Envolvendo-o junto ao
peito, acompanharam silenciosamente os passos do Criador, até alcançarem o topo
do monte Sião, lugar da vergonhosa queda. Contemplando ali os restos dos rubros
frutos, com ímpeto lhes veio à mente a lembrança da sentença divina: "No
dia em que dela comerdes, certamente morrereis."
O terrível momento chegara.
O homem culpado deveria sorver o amargo cálice da morte, sucumbindo sem
esperança.
Consciente de sua
perdição, o casal percebeu, com horror, que as mãos que os trouxeram para a
vida empunhavam agora um cutelo pontiagudo de pedra. Trêmulos, prostraram-se e
esperaram pelo cumprimento da justa sentença.
Enquanto emudecidos pelo
medo, Adão e Eva aguardavam o golpe que os reduziria a pó, sentiram o toque
macio das mãos divinas que os erguiam para uma nova vida. A condenação,
contudo, haveria de recair sobre um substituto.
Colocando nas mãos de
Adão o cutelo, o Criador lhe disse:
- O cordeiro morrerá em
lugar de vocês.
Adão deveria
sacrificá-lo.
Assustado ante a ordem de
Deus, o casal, em pranto, pôs-se a clamar:
- Senhor, o cordeirinho
não, ele é inocente! Com expressão de justiça, o Eterno acrescentou:
- Se ele não morrer,
vocês não poderão ter as vestes das quais falei.
Ante a insistência do
Criador, Adão, todo tremulo, num esforço doloroso, cravou no peito do
cordeirinho aquela aguda pedra.
O golpe foi fatal, e o
animalzinho, vertendo seu precioso sangue, mergulhou nas trevas de uma noite
sem fim.
Contemplando o
cordeirinho inerte sobre a relva ensangüentada, o casal ergueu a voz e chorou.
Começavam a compreender a enormidade de sua tragédia. Quão terrível era a
morte! Ela, em seu poder, apagara toda a luz dos olhos do inocente animal.
Inclinando-Se
silenciosamente sobre o corpo inerte do cordeiro, o Eterno tirou-lhe a pele
revestida de branca lã e com ela fez túnicas para cobrir a nudez do casal. Após
vesti-los perguntou-lhes com carinho:
- Vocês entenderam o
sentido de tudo isto?
Em profunda reflexão, por
entre soluços de reconhecimento e gratidão, o casal exclamou:
- Ele morreu em nosso
lugar, para dar-nos suas vestes!
Adão e Eva, embora
compreendessem aquela realidade física, estavam longe de entender o significado
daquele acontecimento.
A eles o Criador
revelaria o mistério do divino amor.
Com expressão de infinita
misericórdia, Deus passou a revelar ao ser humano o sentido daquele doloroso
sacrifício, dizendo:
O inocente cordeirinho,
que hoje padeceu, simboliza um homem que haverá de nascer. Em seus olhos haverá
a mesma meiguice, o mesmo amor. Revestido por uma vida justa, como a branca lã
que cobria o cordeiro, esse homem crescerá como um renovo sobre a Terra, não
tendo nas mãos as algemas do pecado. Em sua aparência, esse homem não trará a
pompa de um rei, por isso será desprezado por muitos. Será um homem de dores,
pois cairá sobre si o peso de todas as provações. Em sua fidelidade ao reino da
luz, esse homem lutará contra o inimigo usurpador, vencendo-o finalmente. Após
triunfar em suas lutas, tomará sobre si o fardo de vossa condenação que lhe
causará uma terrível morte. Ele será traspassado por causa da vossa rebelião e
moído pelas vossas iniqüidades. Será oprimido e humilhado, mas não abrirá a sua
boca, como o cordeirinho que hoje entregou-se pacificamente. Sucumbindo na
morte, ele vos concederá os méritos de sua vitória. Envolvidos por suas vestes
de justiça, estareis livres da condenação. A vida eterna alcançareis assim,
mediante o sacrifício desse homem justo que haverá de nascer.
Adão e Eva, que num misto
de gratidão e dor ouviram a revelação de tão grande salvação, indagaram
reverentes a respeito desse homem especial que em sua descendência haveria de
surgir, a fim de cumprir tão imenso sacrifício.
O Criador, olhando-os
ternamente, movido por um amor que supera mesmo a morte, os envolveu num
carinhoso abraço e revelou:
- De Meu sofrimento
surgirá este Homem!
- Nós somos merecedores
da morte Senhor, mas Tu és inocente e não deves sofrer em nosso lugar!
Enxugando-lhes as
lágrimas, o Eterno com ternura lhes falou:
- Meus filhos, Eu os amo
com um eterno amor.
- Após sorver o cálice da
eterna morte, Este Homem retomará a vida
e subirá ao céu. Intercederei ali pelo homem perdido, concedendo a todos
aqueles que, arrependidos, aceitarem meu sacrifício, as vestes de minha vitória.
Juntos, triunfaremos finalmente sobre o reino do pecado que se desfará em
cinzas sob nossos pés. Criarei então um novo Céu e uma nova Terra, onde
unicamente a justiça e o amor reinarão. Viveremos assim para sempre, num reino
de perfeita harmonia e paz.
O Criador, que
acompanhado pelo casal permanecia ainda sobre o monte Sião, concluiu Suas
revelações dizendo: "O jardim do Éden ficará agora vazio. O ser humano,
durante a longa noite de pecado, vagueará em seu exílio. Não andará, contudo,
sozinho: o Eterno, também peregrino, trilhará com o homem toda a estrada
espinhosa, até poderem juntos galgar o monte perdido, triunfando gloriosamente
sobre o reino da morte. A árvore da ciência do bem e do mal monumento da
rebeldia será então desfeita, dando lugar a uma árvore gloriosa que, unindo sua
copa à árvore da vida, se tornará no arco comemorativo da grande vitória. Sobre
o santo monte redimido, repousará então para sempre o torno universal, que
pelos fiéis triunfantes será nomeado: o trono de Deus e do Cordeiro."
Adão e sua companheira,
após ouvirem palavras tão confortadoras e cheias de esperança, ergueram a voz
num cântico de gratidão e louvor. Conheciam agora o infinito amor de seu
Criador e estavam dispostos a servi-Lo.
Depois de consolar o
casal, Deus levou-os para fora do Éden. Não lhes foi fácil se despedir daquele
precioso lar; ali haviam despertado para a vida nos braços do Eterno; ali
desfrutaram momentos de pura felicidade, em companhia do Criador, dos anjos e
dos dóceis animais. Uma saudade infinita parecia envolver o casal em seus passos
de abandono.
Foi com espanto que Satã
e seus súditos presenciaram a intervenção do Eterno. Ficaram abalados ante a
surpreendente revelação do plano de resgate. Com raivosa frustração,
compreenderam que, se de fato a promessa divina se concretizasse, não restaria
nenhuma esperança.
Depois de refletir sobre
tudo o que acontecera, uma grande ira apossou-se de seu coração. Não estava
disposto a reconhecer a redenção do ser humano. Faria todos os esforços para
retê-lo, juntamente com o reino que lhe fora entregue.
Quando o casal,
acompanhado pelo Criador, alcançou o vale ferido pela morte, amanhecia. Ali
Satã os enfrentou com fúria, numa tentativa de se apossar novamente do ser
humano. O casal ficou trêmulo em face do inimigo, mas as mãos protetoras de
Deus os acalmaram.
Expressando no semblante
a firmeza de uma justiça que é eterna, o Eterno silenciou as ameaças do inimigo
com as seguintes palavras: "O ser humano Me pertence, pois Eu o comprei
com o meu sangue".
Ao caminharem junto ao Criador, Adão e Eva observavam com
tristeza os sinais da morte estampados naquela natureza antes tão cheia de
vida. As belas flores, que haviam desabrochado para exalar aromas eternos,
pendiam agora murchas; os passarinhos, que com alegria os saudavam em cada
alvorecer com os seus trinos, voavam agora distantes, fazendo soar tão tristes
cantos! Tudo estava mudado na natureza. A ciência do bem e do mal não trouxera
nenhum bem ao Universo, mas um intenso conflito espiritual e físico.
Ante as conseqüências
devastadoras de sua queda, o casal, vencido por uma indizível tristeza,
prostrou-se arrependido e chorou amargamente. Deus, que também compungido pela
dor contemplava o cenário desolador, procurou, com palavras de esperança,
confortá-los. Falou-lhes sobre o novo Céu e a nova Terra que um dia criaria,
onde a paz e o amor voltariam a reinar em cada coração. Ali viveriam sempre
juntos, não trazendo na fronte as marcas da tristeza, mas coroas de eterna
vitória.
Ali enxugaria as lágrimas
de suas faces e essas jamais voltariam a umedecer os seus olhos.
Amparando Adão e Eva em
seus passos, o Criador conduziu-os através de um vale ferido, até alcançarem o
sopé de uma colina. Galgaram-na em lentos passos, enquanto trocavam palavras de
ânimo e esperança. Seus pés alcançaram finalmente a relva macia que cobria o
topo espaçoso daquela colina. Era sobre aquele lugar que o casal via a cada dia
o sol declinar, banhando o céu e os vales de um vermelho vivo, como o sangue
que jorrara do peito do cordeiro.
O sol declinava em sua
jornada, anunciando a chegada de mais uma triste noite - a primeira fora do
paraíso. Num calmo gesto, o Eterno, mostrando-lhes o vale sobranceiro à colina,
falou-lhes com carinho: "Aqui será vossa provisória morada. Daqui podereis
contemplar o paraíso que por algum tempo permanecerá na Terra, até ser
recolhido ao seu lugar de origem, no seio da Jerusalém Celeste. Ali, protegido
pela justiça, aguardará o alvorecer da vitória. Quando esse grande dia chegar,
retornaremos juntos a Sião, onde seremos coroados em glória, num reino de eterna
felicidade e paz".
Depois de dizer estas
palavras, Deus ordenou ao casal que construísse naquele lugar um altar de
pedras, sobre o qual a cada semana, na noite que antecede o sábado, deveriam
imolar um cordeiro, pela memória de Seu sacrifício. Como sinal de Sua presença,
e para a certeza de que seus pecados seriam perdoados, Ele acenderia um fogo
sobre o altar, o qual duraria toda a noite, até consumir por completo a oferta
do sacrifício.
Para que o ser humano
pudesse firmar sua fé sobre as verdades reveladas, e não na manifestação
visível da pessoa do Criador,
Ele haveria de permanecer
invisível daquele momento em diante. Somente em ocasiões especiais, quando se
fizesse necessário
Sua aparição ou a de
anjos para novas revelações e advertências, isto ocorreria.
O Eterno disse-lhes com
amor: "Filhos, embora vocês tenham de permanecer neste ambiente hostil,
não precisam temer, pois Eu permanecerei ao lado de vocês. Serei um companheiro
amigo nesta jornada; levarei sobre os meus ombros suas dores, seus anseios,
suas lutas. Quando, tentados pelo inimigo, estiverem a ponto de ceder, poderão
encontrar abrigo em meus braços, que sempre estarão estendidos para salvá-los
e, se algum dia vocês não resistirem, e pela fúria do inimigo forem arrastados
para as profundezas do abismo, não se desesperem julgando não haver esperança,
pois Eu estarei ali para acudi-los com o meu perdão e força. Tenham sempre em
mente o significado das vestes recebidas das minhas mãos, pois elas falam da
redenção que ao homem pertence. Descansem filhos meus, nos meus braços de
amor."
O Criador deixou o casal
adormecido sobre a relva, depois de beijar-lhes as faces já marcadas pelo
sofrimento. Sua luz dissipou-se ao tornar-Se invisível, dando lugar às trevas
daquela primeira noite fora do paraíso.
Deus, ainda que
invisível, permanecia ao lado de Adão e Eva ali na colina. O sofrimento deles
era o Seu sofrimento, como também a esperança de um dia retornarem vitoriosos a
Sião.
Longa seria a noite do
pecado, e renhida a batalha pela reconquista do reino perdido. O triunfo da luz
requereria da parte de Deus um sacrifício imenso. Na pessoa do Messias, a seu
tempo, ele nasceria entre os homens, com a missão de pagar o preço do resgate.
Por meio dEle muitos seriam libertos das garras do inimigo: todos aqueles que O
aceitassem como Salvador e Rei.
Contra esses escolhidos,
o inimigo arregimentaria todas as forças procurando fazê-los cair.
Em sua visão do futuro, o
Criador contemplou com alegria o triunfo final dos redimidos. Haviam sido
extremamente provados, mas em tudo foram mais do que vencedores por meio
dAquele que os redimiu das trevas para o reino da luz.
Depois de antever os
sofrimentos que adviriam da grande luta, o Eterno estendeu o olhar pelas
planícies cativas, contemplando ali as hostes rebeldes dispostas para a luta. O
objetivo desses exércitos, era apossar-se novamente do ser humano, no qual
estava selado o direito de domínio sobre o Universo.
Contrária à natureza do
Criador é a guerra, mas para defesa de Seus filhos, estava disposto a empregar
o Seu poder. Sua força, contudo, somente seria empregada com justiça. Se o ser
humano recusasse essa proteção oferecida mediante o sacrifício do Messias, Deus
nada poderia fazer para impedir que o mesmo perecesse nas garras do inimigo.
Adão e Eva, contudo, haviam se arrependido de seu grande pecado, recebendo pela
misericórdia de Deus vestes de salvação, simbolizadas pelas peles do cordeiro
sacrificado.
Justificado pela entrega
do casal, o Eterno convocou Seus poderosos exércitos para a peleja. Em pronta
obediência as hostes da luz irromperam pelo espaço sideral em direção à Terra,
circundando qual forte muralha a colina, portadora daquele tesouro redimido
pelo sangue do divino Rei.
Ao ser humano fora
conferido no Éden o dever de cuidar da natureza : preparavam canteiros para as
flores; colhiam frutos para mantimento; dirigiam os animais em seu inocente
viver, adestrando-os para que lhes fossem úteis. Essas ocupações tinham sido
para eles fontes de desenvolvimento e prazer. Agora, apesar das adversidades,
deveriam continuar realizando esse dever. O trabalho em si, realizado segundo
as ordens do Criador, já anularia muitos ataques do inimigo.
As primeiras ocupações do
casal naquela manhã, trouxeram-lhes revelações do grande amor de Deus, até
então desconhecidas. Ao reunirem as pedras para construção do altar,
experimentaram a dor de feridas que jorram sangue, como também a fadiga que faz
minar suor. Sentindo e contemplando tudo na própria carne, amaram mais o
Salvador, para quem o altar construído prefigurava feridas maiores, que
verteriam todo o Seu sangue, como também fadigas que minariam toda a seiva de
Sua vida.
O olhar de saudade e de
esperança do casal de agora em diante, jamais pousaria no Éden distante, sem
discernir primeiro o altar dos sacrifícios. Esse altar, com suas manchas de
suor e sangue, permaneceria como uma lembrança da dor e do sofrimento que,
depois de umedecer os lábios dos seres humanos, transbordaria na taça do
Criador.
Após contemplar por longo
tempo o paraíso da eterna vida que estendia-se muito além daquele altar escuro
de morte, o casal experimentou o doce alívio do descanso.
Desejosos de conhecer as
paisagens de seu novo lar, Adão e Eva, animados pela esperança, saíram a
passear. Seus passos conduziram-nos por caminhos de sorrisos e de lágrimas; de
encantos e desilusões; de flores que desabrochavam delicadas, banhadas em
perfume, e de flores despetaladas, tombadas murchas e sem cheiro; de animais
ainda dóceis e submissos e de animais inimigos, ferozes e ameaçadores. O casal
discernia em seu passeio as divisas de dois mundos: o da luz e o das trevas; do
amor e do egoísmo; da esperança e do desespero; da harmonia e da desarmonia; da
vida e da morte. Essa visão encheu-lhes de tristeza e choraram longamente. Essa
tristeza aumentaria ainda mais no futuro, quando descobrissem o aprofundamento
dessas divisas no seio de sua descendência.
Seis arrebóis já haviam
colorido os céus anunciando ao casal as noites escuras e frias que com seu
manto de trevas desfazia todas as imagens vivas, menos a esperança de revê-las
coloridas no alvorecer de luz.
Aproximava-se agora a
hora do sacrifício, quando o rude altar, abrasado em sua justiça clamaria pôr
sangue. Se não lhe oferecessem a oferta, explodiria com certeza, envolvendo
todo o mundo com suas chamas; Já não haveria então alvorecer, nem esperança de
Éden a florir.
Quão precioso é o sangue!
Sangue é vida; vida é luz! Para um ser aquela noite tornar-se-ia eterna, sem
alvorecer! Esse ser deveria assumir a culpa de todo o mundo, dando o seu sangue
ao rude altar.
Adão e Eva depois de
refletirem por longo tempo, contemplando o berço da morte construído pôr suas
mãos, entreolharam-se inquietos com essa questão decisiva: Quem se oferecerá?
Essa indagação nascida de sua culpa, fez vibrar no profundo de suas lembranças
a voz do bendito Criador em Sua revelação de infinita bondade: - Eu os amo com
um eterno amor; Eu morrerei em vosso lugar".
Agradecido, o casal
prostrou-se reverentemente ante o sedento altar, vendo-o pela fé, saciado pelo
dom do eterno amor.
Naquela tarde de
sexta-feira, Deus submetia o ser humano a uma tremenda prova de fé. Eles tinham
diante de si o altar de pedras, construído conforme a ordem divina, mas não
havia nenhuma ovelha para o sacrifício. Em seu anseio, lembravam-se do Éden,
onde havia muitos rebanhos.
Ao verem o sol tombar no
horizonte, Adão e Eva passaram a clamar a Deus por socorro, pois sabiam que
somente um milagre poderia providenciar-lhes, naquele derradeiro momento, um
cordeiro para o sacrifício.
Quando as sombras do
anoitecer começaram a envolver a colina, o casal que vivia tão dura prova de
fé, discerniu um pontinho branco que saltitava no gramado vindo em direção deles.
À medida em que se aproximava, aquele vulto parecia falar de esperança, de vida
e calor. Ao verem que o grande milagre acontecera, correram ao encontro do
cordeiro, envolvendo-o nos braços. Ele estava fatigado, mas não descansaria:
daria descanso. Estava sedento, mas não beberia: daria de beber ao altar que
clamava por sangue. Aquele cordeiro tinha vontade de viver nos braços do homem,
mas morreria, para que esse pudesse viver nos braços de Deus. Era um perfeito
simbolismo do Redentor que deixaria Sua glória, vindo em busca do pecador.
As trevas de mais uma
noite baixaram lentamente envolvendo toda a natureza em sua prisão. Sua força,
porém, seria quebrada diante do ser humano, pelo brilho de um fogo especial,
aceso pelas mãos do divino perdão sobre o corpo sem vida do inocente cordeiro.
Em meio à noite o altar clama; o homem triste exclama,
enquanto o cordeiro, mudo, não reclama ao ser estendido para a morte.
As mãos que construíram o
altar erguem-se agora, não para acariciar como outrora, mas para ferir,
sangrando o preço do perdão. Só um gesto, nada mais, e a estrela se apagará
para sempre dos olhos inocentes, fazendo brilhar na face culpada a luz da
salvação.
Adão, trêmulo hesita em
compaixão. No cordeirinho manso e submisso, pronto a morrer em seu lugar, vê o
Salvador prometido. Com o coração arrependido, num esforço doloroso, crava o
cutelo de pedra no peito do animalzinho que perece em suas mãos sem sequer dar
um gemido.
O poder da noite
imediatamente é quebrado pelo brilho do fogo da aceitação. Sua luz revela ao
ser humano sua trágica condição: Vendo as mãos manchadas pelo sangue inocente,
o casal sente-se culpado por aquela morte. Em pranto ajoelham-se ante o altar
que já não lhes reclama sangue, mas oferece luz, aceitando o imerecido perdão.
Erguendo-se, o casal
contempla demoradamente o corpo ferido do pobre cordeirinho, sem poder
agradecer-lhe pela riqueza concedida em troca de seu tão rude golpe.
Banhados pela suave luz
do sacrifício, Adão e sua companheira permanecem a meditar, até serem vencidos por um profundo
sono. Recostando-se ao solo coberto de relva macia, adormecem docemente sob os
cálidos raios do perdão, certos de que seu brilho e calor perdurariam até serem
as trevas daquele sábado desvanecidas completamente pelo fulgurante sol.
A luz do cordeiro, desde
que fora acesa sobre o altar naquela noite, permanecia em constante guerra com
as trevas. Por várias vezes crescia em brilho, afugentando para distante a fria
escuridão, banhando a natureza com os seus raios de vida. Por vezes, as trevas
trazendo o seu vento frio, quase bania por completo a chama. Essa, todavia, num
grande esforço alimentava-se do sangue do cordeiro, lançando ao alto sua
ardente chama, inundando de luz e calor tudo aquilo que havia ao redor.
O conflito entre a luz
nascida do sacrifício e as trevas naquela noite, descerravam aos fiéis do
Universo muitas lições importantes - verdades que ocupariam suas mentes por
toda a eternidade. Naquela chama, ora ardente em seu brilho, ora fustigada
pelos ventos da noite, os fiéis viam uma representação do conflito milenar
entre o bem e o mal; conflito que sem trégua se estenderia até o alvorecer . O
Eterno, no penhor de Seu futuro sacrifício, acendera em meio das trevas, a luz
da verdade, e essa seria mantida acesa no coração do ser humano, em virtude de
Seu sangue que seria derramado para remissão da culpa. Contra essa luz, o
inimigo arremessaria todos os ventos frios da maldade, banindo do coração de
muitos o seu doce brilho. Quantos jazeriam perdidos por recusarem a luz do
perdão divino, ficando envoltos pelas trevas da escura noite!
Depois de longas horas de
combate, surge no céu os sinais do amanhecer. A escuridão que com ira havia
lançado seus ventos sobre a imorredoura chama procurando bani-la, torna-se
confusa ante os sinais do amanhecer. O céu tingido de um vermelho vivo, faz
lembrar o sangue que jorrara do peito do cordeiro para que a chama do perdão
pudesse iluminar a noite humana. Em meio ao colorido de sangue, surge no
horizonte o fulgurante sol, trazendo em seus aquecidos raios o sabor da
vitória, envolvendo tudo com sua vida. O alvorecer em seu saudoso afeto,
acaricia o distante paraíso, levando de seu amado seio em sua brisa matinal o
aroma da saudade, numa mensagem de consolo e esperança às criaturas sofredoras
do vale da morte.
Banhados pelos cálidos
raios e pela brisa da esperança, o casal desperta em mais um sábado, cujo
simbolismo aponta para o descanso no reino de Deus, ao culminar o grande
conflito entre a luz e as trevas.
Para além daquele altar
coberto de cinzas, Adão e Eva contemplam demoradamente o saudoso paraíso. Ainda
que distantes em seu exílio, alegram-se com a certeza de que o sacrifício do
Messias fará raiar para eles o sábado dos sábados: aquele de lágrimas para
sempre banidas; de sol sempre a brilhar num límpido céu; de cordeiros sempre
vivos a brincar pelo gramado; dia sem anoitecer, quando não haverá mais altar
coberto de sangue e cinzas. Suspiram por esse dia de glória, quando Dês Se fará
eternamente visível, levando nas mãos as marcas de Seu infinito amor pelos Seus
filhos.
Adão e Eva que estavam
acostumados às flores eternas no paraíso, aquelas que não as viram desabrochar,
viam-nas agora surgirem em tenros botões, em meio às ameaças de espinhos
prontos a ferirem. Essas tenras flores, sem importarem-se com os espinhos,
exalavam perfumes suaves de louvor e gratidão, jamais se cansando de agradar o
ambiente. Quando fustigada pelos ventos frios da noite, essas flores não se
ressentiam, mas ofereciam seu aroma, que transformava a fúria dos ventos em
brisas perfumadas de um alvorecer.
Movidos por profunda
gratidão, o casal acompanhava atentamente o ministério de amor daquelas flores
que, jamais se cansavam de abençoar, oferecendo sua beleza e perfume como
alívio para aqueles que eram feridos pelos rudes espinhos.
Aquelas flores singelas e
puras, depois de mostrar em sua curta vida que o perdão e o amor são mais
fortes que todos os ventos e espinhos, num último esforço de comunicar alegria,
exalavam seu perfume, tombando murchas e sem vida sobre o solo frio. Ali,
esquecidas, transformavam-se em insignificante pó que era espalhado pelo vento.
A morte das flores, ainda
que parecesse fracasso, revelou ao casal o mistério do renascimento da vida:
Morrendo, as flores davam vida aos frutos que, por sua vez, depois de servirem
de alimento, doavam suas sementes cheias de vida. Na morte dessas sementes,
renascia o milagre da vida, multiplicando as árvores com suas flores prontas a
repetir o ensinamento do amor e do sacrifício.
A natureza, portanto,
embora maculada pelo pecado, revelava o mistério oculto do plano da redenção.
Cada flor a desabrochar em meio aos espinhos, em sua curta vida de amor, era um
símbolo do Salvador que nasceria entre os espinhos da maldade, para com o seu
perfume consolar o coração dos aflitos. Semelhante à flor, o Messias depois de
provar que o amor e o perdão são mais fortes que todos os ventos do ódio; que a
verdade e a justiça do reino de Deus são maiores que todos os enganos e
injustiças do reino do inimigo, verteria a seiva de sua vida, morrendo para
redimir os culpados.
A Criação do Universo 6
Consolados pelas revelações da natureza, Adão
e sua companheira, aprendiam a cada dia
a amar mais o Salvador. Cresciam em sabedoria, humildade e santidade. Todas as
virtudes destruídas pelo pecado, renasciam no coração.
A colina, sob a proteção
dos anjos da luz, tornou-se numa
miniatura do Éden distante. Entre os animais reunidos e domados com
amor, haviam muitas ovelhas. Na noite
que antecedia cada sábado, Adão tinha, por ordem do Criador, de repetir o
doloroso ato. Quanta amargura e arrependimento sobrevinham ao casal ao baixarem
as trevas da noite do sacrifício! Quanto consolo lhes trazia a chama do perdão
que jamais deixara de brilhar sobre o altar.
O decisivo valor do
sacrifício, para que a vida pudesse florescer sob a proteção divina, levou o
casal a valorizar imensamente o seu pequeno rebanho. Cada sexta-feira, contudo,
passou a trazer consigo, além da dor, uma inquietação: - Quem doará seu sangue
ao altar quando a última ovelha perecer?
Aos olhos do casal
maravilhado, aconteceu enfim o milagre do amor, renovando-lhes a esperança de
viverem outras semanas sob o brilho da chama do perdão: uma ovelha, a mais
gorda delas, passou a sangrar como em sacrifício; De sua dor, nasceram-lhes
quatro cordeirinhos.
Cheios de alegria e
gratidão, Adão e Eva prostraram-se ante o Salvador invisível, tendo nas mãos
aquelas novas criaturinhas que traziam em seus olhos a mesma meiguice e
disposição para o sacrifício.
Seguros de que novos
milagres multiplicariam seus dias, o casal uniu sua voz como outrora, num
cântico de gratidão e adoração ao Criador que, como os cordeirinhos nasceria
também da dor para cumprir em sua vida o maior de todos os sacrifícios, para
salvação da humanidade.
O Eterno, embora
invisível aos olhos de Seus filhos humanos, permanecia bem próximo, acompanhado
por um exército de anjos, em incansável ministério de cuidado e proteção. O
casal estava inconsciente de que a doce calma e paz reinantes naquela colina,
bem como toda a sua prosperidade, eram frutos de tão intensa luta. Se os seus
olhos fossem abertos para as cenas que ocorriam invisíveis, ficariam tomados de
espanto; Quão terrível era o inimigo e suas hostes em suas constantes
investidas com o propósito de arruinar o ser humano, arrebatando-o das mãos do
Criador.
Depois de contemplar os
de cordeiro, Deus fitou o casal com ternura, revelando-lhes algo que os
surpreendeu e alegrou:
- Quando desses cordeiros
trinta e seis houverem subido ao altar, os vossos braços envolverão o primeiro
filho que, como eles surgirá também da dor. Esse filho em sua infância lhes
trará alegria saltando como os cordeirinhos em vosso lar. Devereis instruí-lo
com dedicação nas leis da harmonia, mostrando-lhes o caminho da redenção. Como
vocês, ele será livre para escolher o rumo a seguir. Aceitando o ensinamento,
sua vida será vitoriosa; rejeitando-o, caminhará para a derrota.
Adão e Eva ouviram com
alegria a promessa divina, mas ao mesmo tempo experimentaram no profundo do ser
um temor ao conscientizar-se da responsabilidade que teriam. Sabiam que Satã
faria todos os esforços para levar a criança prometida à perdição.
Era noite alta quando o
Criador, depois de acariciar seus filhos, os deixou adormecidos sobre o gramado
macio.
Depois da promessa, cada
cordeirinho levado ao altar fazia pulsar mais forte no ventre materno a esperança
da alegria que em breve alcançariam. Trinta e seis finalmente baixaram às
trevas cumprindo o tempo determinado pelo Criador em que a primeira criança
receberia a luz.
Com as mãos ainda
manchadas pelo sangue do sacrifício, Adão amparou sua esposa que, aos pés do
altar prostrou-se vencida pela dor que lhe trouxe o primeiro filho. A pequena
criança não trazia na face a alegria da liberdade, mas o choro de sua prisão;
Esse pranto duraria a noite inteira, não fosse o brilho daquela chama aquecida
de esperança que, logo atraiu a atenção de seus olhinhos atentos. Envolvendo-o
com alegria, Eva consolada de seu sofrimento, disse: "Alcancei do Senhor a
promessa". Deu-lhe então o nome de Caim.
Depois de envolver o
filhinho com as peles macias de um cordeiro, o casal permaneceu acordado a
meditar. Muitos eram os pensamentos que ocupavam suas mentes: pensamentos de
alegria, de gratidão, de esperança e de anseio pelo senso da responsabilidade
que agora pesava sobre seus ombros.
Acariciando com ternura a
pequena criança, o casal amadureceu em sua experiência, compreendendo melhor o
misterioso amor de Deus que, para salvar Seus filhos, dispôs-Se a morrer em
lugar deles.
Adão e Eva não estavam
sozinhos em suas reflexões: todos os seres inteligentes do Universo consideravam
com interesse sobre o futuro daquele indefeso bebê que no íntimo trazia um
reino de dimensões infinitas, a ser disputado pelos dois poderes em luta.
Vendo a criança esboçar o
seu primeiro sorriso, o casal subitamente lembrou-se da promessa do Criador que
era confirmada em cada sacrifício : Ele nasceria da mulher como criança, com a
missão de redimir a humanidade. Não seria Caim já o cumprimento da promessa? O
infante com seus olhinhos brilhantes de alegria se parecia tanto com os
cordeirinhos que nasciam e cresciam com a missão de serem sacrificados!
Considerando assim, o casal apertando o filhinho junto ao peito começou a
chorar sem consolo. Quão terrível, seria oferecer seu filhinho inocente ao rude
altar!
Para o casal compungido
pela dor, surgiu em fim o brilhante sol fazendo reviver com seus cálidos raios
as promessas que apontavam para um Salvador que, ainda no futuro, nasceria
também da dor para cumprir o eterno plano de redenção.
Abençoada pelo Criador e
envolvida pelo amor e cuidado dos pais, a criança se desenvolvia em sua
natureza física e mental, tornando-se a cada dia alvo maior de uma incansável
batalha entre as hostes espirituais.
Adão e Eva, ansiosos por
fazê-lo compreender as verdades da salvação, tomavam-no nos braços a cada
alvorecer e, à beira do altar lhe apontavam o Éden distante, contando aquelas
histórias de emoção as quais o pequeno Caim ainda não conseguia compreender.
Qual foi a alegria daqueles pais, ao vê-lo numa manhã de sol, apontar com a
mãozinha para o lar da saudade, pronunciando o nome sagrado do Criador.
Emocionados tomaram-no nos braços, pedindo-o para repetir esse sublime nome
que, qual chave de felicidade, sempre descerrava-lhes um paraíso de eterno
amor.
Todas as hostes da luz
inclinaram-se com alegria ao ouvir a pequena criança pronunciar o nome do
divino Rei.
As semanas iam se
passando trazendo consigo novas vítimas para o altar, e o pequeno Caim, alvo da
atenção e cuidado de Deus, das hostes da luz e daqueles amantes pais
incansáveis na missão de instruí-lo, agrupando suas poucas palavras, sempre
curiosos com tudo passou a interrogar.
O dia declinava quando o
menino, que jazia ao colo de sua mãe, perguntou-lhe:
- Mamãe, por que o sol
sempre vai-se embora, deixando a gente no frio da escuridão?"
Eva, surpresa contemplou
seu filho, sem encontrar palavras para responder-lhe a indagação que trouxe-lhe
à lembrança o passado de felicidade destruído por sua culpa. Após um momento de
silêncio, beijando a face do pequeno Caim, disse-lhe:
- Filhinho, um dia o sol
virá para ficar, trazendo em seus raios um mundo só de harmonia; já não haverá
animaizinhos a brigar, nem cordeirinhos a morrerem sobre o altar"
Caim, insatisfeito com as
palavras da mãe, demonstrou não ter paciência para aguardar esse dia que jazia
em distante futuro. Repetia em pranto: - "Eu quero o sol hoje , amanhã
não!"
Eva, pacientemente,
procurou acalmar seu filho, falando sobre a luz de Deus, que pode tornar a
noite em dia. Ele o amava e poderia encher seu coraçãozinho de brilho, de
alegria e paciência. Poderia assim, aguardar feliz o dia de seus sonhos.
Balançando a cabecinha em
rejeição ao consolo da mãe, Caim proferiu entre soluços: -"Eu quero o sol
porque eu posso vê-lo, ao Eterno não".
Como uma seta dolorosa as
palavras de rebeldia de Caim penetraram no coração de Eva, fazendo-a chorar
amargamente. Uma tristeza infinita
pairava sobre o coração do Criador rejeitado. Esboçavam-se nos gestos de Caim
os primeiros passos pelo caminho descendente da rebeldia. Quantos o seguiriam
rumo à morte!
Inconsciente da tristeza
que abatera-se sobre o reino da luz, Adão, ao ver o sol declinar no horizonte,
deixou seu trabalho no campo rumando-se para casa. Tinha um cântico no coração
ao caminhar para mais um encontro com os seus.
Ao aproximar-se do altar,
viu junto dele sua companheira prostrada em pranto. O pequeno Caim jazia também
ali a chorar. Tomando-o nos braços, Adão perguntou-lhe com anseio: -"O que
aconteceu meu filho?" Caim tristemente respondeu: -"Mamãe deixou o
sol ir embora"
Amparando o filho com seu
braço esquerdo, Adão pousou sua mão direita sobre o ombro de Eva, mas não
encontrou palavras para consolá-la. A frase dita por seu filhinho, pareceu
rasgar-lhe o coração, fazendo-o reviver a queda.
Depois de refletir, Adão
sentindo-se culpado respondeu para Caim: -"Foi o papai quem deixou o sol
ir embora meu filho!".
Com soluços de grande
tristeza, Adão uniu-se a eles no pranto. A lembrança do Salvador, contudo, o
consolou. Enxugando suas lágrimas e as de seu filhinho, disse-lhe com ternura:
-"Podemos nos alegrar filhinho ,pois Deus prometeu fazer o sol para sempre
brilhar no céu; ele será como o fogo que surge no altar, banindo as trevas da noite".
Com os olhinhos voltados
para o último clarão do arrebol, Caim permaneceu sem consolo.
Naquele entardecer, não
houve como de costume um alegre jantar. A pequena família, entristecida,
permaneceu a meditar por longas horas,
até sonolentos adormecerem sob a luz das estrelas.
O inimigo e suas hostes,
em sarcasmo de maldade zombaram naquela noite do sofrimento de Deus e Seus
fiéis. Repetindo as palavras de rebeldia do pequeno Caim, ufanava-se como
vencedor. Num desafio ao Criador pronunciou : - Veja como esse meu pequeno
escravo te rejeita! O mesmo se dará com todos aqueles que hão de nascer. Estou
certo de que o direito de domínio jamais sairá de minhas mãos.
Todas as hostes rebeldes
repetiram em eco as afrontas do enganador, humilhando os súditos da luz que sofriam
do lado do Eterno.
Com suas afrontas, o
inimigo procurava fazer Deus desistir de Seu plano de redenção. Se isso
acontecesse, seu reino de trevas se estenderia por toda a eternidade,
suplantando o domínio da luz.
Em resposta ao desafio do
inimigo, o Eterno afirmou solenemente : - Ainda que todos me rejeitem , Eu
cumprirei a promessa.
O Criador não suportava o pensamento de ver o
pequeno Caim caminhar para a perdição. Por ele intercedia a cada dia,
oferecendo ante a justiça o Seu sangue que verteria. Anjos poderosos
guardavam-no a cada momento, espancando as trevas espirituais que o acercavam
procurando torná-lo insensível aos benefícios da salvação , que eram ilustrados
pelos símbolos.
Adão e Eva em seu
incansável ministério de amor, todos os dias ensinavam a Caim as lições
espirituais ilustradas na natureza. Em cada sábado procuravam firmar em sua
mente juvenil a esperança de uma vida eterna, que seria fruto do sacrifício do
Salvador. Ele depois de viver uma vida sem pecado, morreria como um cordeiro ,
para poder expulsar para sempre as trevas.
A contemplação do Éden
distante banhado em sol fez nascer no coração juvenil de Caim pensamentos de
aventura. Ele começou a pensar : "Este paraíso não está tão longe como
afirmam papai e mamãe. Por que esperar e sofrer tanto tempo?! Ele é tão belo! É
dele que surge todos os dias o sol! Se o conquistarmos, será fácil deter a luz
em sua nascente; Assim viveremos num paraíso de eterno sol.
As idéias de aventura de
Caim, enchiam o coração de Adão e Eva de tristeza. Viam que seu interesse era
somente pelo tempo presente; ele sonhava com um paraíso de felicidade e luz
conquistado por sua força. Em seus planos, não sentia necessidade de um
Salvador; - Para que, se era tão jovem, inteligente , cheio de vida e ideais?-
dizia.
Os dias de lutas,
intercessões e sacrifícios pelo destino de Caim foram se passando.
Oportunidades preciosas surgiam em cada dia diante dele para se apegar ao
Salvador, mas a todas rejeitava, uma por uma. Em sua incredulidade chegou a
duvidar da existência desse Deus, o qual jamais vira.
Aos pais que, aflitos mas
sempre com paciência, procuravam livrá-lo da perdição para a qual estava
caminhando, prometeu um dia , após sorrir com ar de incredulidade, crer no
Criador e em Seu plano de salvação, caso Ele se tornasse visível na hora do
sacrifício.
Com ardente fé, aqueles
pais passaram a clamar ao Eterno. Sua presença visível poderia, quem sabe,
salvar aquele filho querido que a cada dia tornava-se mais rebelde.
O Criador ouviu o clamor
dos pais aflitos. Embora soubesse que Sua aparição dificilmente quebraria no
coração do jovem Caim seu espírito rebelde, estava disposto a cumprir o pedido.
Estenderia os braços amigos a Caim, procurando com amor conquistar-lhe o
coração. Como conhecia os seus anseios e sonhos de aventura, facilmente poderia
identificar-Se com ele, cativando-o, pois era também Alguém que sempre
carregara no peito sonhos de aventura; Não fora a criação do Universo uma
grande aventura?! Não fora o Seu sonho vê-lo cravejado de sóis fulgurantes, iluminando
bilhões de mundos com o seu brilho?! Não era também o Seu maior atravessar o
vale da morte, em busca da conquista do Éden distante, prendendo para sempre o
Sol em seu céu?! Tinham muita coisa em comum!
Caim estava curioso
naquela sexta-feira. Na face dos pais, via ânimo e alegria, frutos de uma fé
grandiosa. Incentivado por essa expressão de confiança, o jovem passou a
ajudá-los nos preparativos para o santo sábado.
O Sol finalmente
esquivou-se rolando para o poente, deixando como de costume seu rastro de
saudade que anunciava medo. Em meio às trevas, Caim discerniu o vulto branco do
cordeiro sendo erguido para o altar pelas mãos do pai - esse incansável
sacerdote que sempre estava implorando ao Criador pela salvação de seu amado
filho.
Com a mão erguida, Adão
preparava-se para o golpe que poderia, quem sabe, quebrar no coração de Caim
sua incredulidade, fazendo nascer num só momento a crença na salvação. De seus
lábios escapa-se então a prece da fé: - Pai Eterno, ouve o meu pedido; Meu
filho precisa de Ti! Somente um olhar Teu poderá conquistá-lo. Venha Senhor!!
Esta oração sincera caiu
nos ouvidos daquele filho comovendo-o. Somente a prece já seria suficiente para
convencê-lo da existência real de um Salvador.
Um forte brilho envolveu
logo toda a colina banhando também o vale oriental .Os olhos arregalados de
Caim pousaram então nos olhos amáveis do Criador, que trazia na face um brilho
superior ao do sol, mas não ofuscante. Contemplando-O com admiração, Caim
exclamou: - Ele é jovem como eu, e se parece com o Sol!
Adão e Eva, comovidos
pela grande saudade tinham vontade de saltar ao peito do Salvador e beijá-Lo,
mas deixaram que Ele Se encontrasse primeiro com Caim. Com alegria , viram o
precioso filho envolvido nos braços do grande amigo, que era parecido com o seu
astro.
Depois de longo abraço,
Deus abraçou e beijou também o querido casal, companheiros no sofrimento
Caim, conquistado pela
afeição do Pai Eterno, mostrou-Lhe seus animais de estimação e seu pequeno
jardim carregado de lindas flores. Como estava encantado por vê-los coloridos
naquela noite desfeita pelo brilho do Criador, como sob a luz do dia! Parecia até
mesmo que o Sol baixara a eles.
Ao pensar no Sol, Caim
como o amava muito, passou a falar sobre ele dizendo:
- Como ele é belo e bom!
Quando ele vai-se embora, deixa em suas lágrimas de sangue um sentimento de
tristeza e temor. Tudo desaparece em sua ausência : os animais, o jardim; até
os passarinhos silenciam os seus cantos! ...Mas basta ele dizer que vai
aparecer, tudo se enche de encanto; A natureza se desperta de mansinho,
parecendo ainda temer as trevas, mas quando as vê fugir , fica alerta e canta;
Os animais, os passarinhos, o jardim,... tudo volta a viver feliz! Mas, esta
felicidade sempre acaba!!!
Após falar estas
palavras, Caim fitando o Criador indagou curioso:
- Papai sempre diz que
foi você quem criou o Sol. É verdade?
Com um sorriso de sinceridade
Deus respondeu-lhe que sim.
- Quando Você o fez no
princípio, continuou Caim, ele já fugia para o poente?
- Ele nunca foge,
respondeu o Eterno, é o mundo quem foge dele. Ele fica triste com essa
ingratidão!
-Mas como? Perguntou
Caim, contemplando curioso Sua face de luz .
Com palavras carinhosas,
Deus passou a contar-lhe a história de Lúcifer que, em sua ingratidão baniu de
seus olhos e dos olhos de uma multidão de criaturas, o brilho de Sua face - o
Verdadeiro Sol. Depois de assim agir, iludiu a muitos dizendo que foi o Sol
quem fugiu deles. Com sua astúcia, continuou o Criador, o anjo rebelde procurou
arrastar o ser humano para as trevas, e conseguiu. O Sol naquele dia, chorou
tantas lágrimas de sangue, que banhou todo o céu. Em seu último suspiro de luz,
porém, ele prometeu ao mundo já tomado pelas trevas, voltar um dia a brilhar
para sempre, enchendo todo o seu seio de vida.
Após falar-lhe estas
palavras, o Eterno fitando aquele jovem, com expressão de tristeza nos olhos
concluiu dizendo: - Hoje, o anjo rebelde promete a seus seguidores que irá com
sua força deter o sol, mas ele jamais conseguirá realizar esse plano, pois não
possui o laço que poderá detê-lo : o amor.
Cabisbaixo, Caim ouviu
dos lábios do Criador essa história de promessas, a qual já se cansara de ouvir
de seus pais. Essa história não lhe dava prazer, pois mostrava uma noite longa
de sacrifícios sobre o altar, e de um Salvador a perecer em dor. Em realidade,
Caim não via razões para tudo isso. Por que não banir logo o sofrimento colorindo
as trevas de luz?!
Num esforço para
conquistá-lo, o Eterno com muito amor fitou aquele jovem insatisfeito, e
disse-lhe que, somente o sangue de Seu sacrifício poderia fazer o Sol para
sempre brilhar, num reino de eterna felicidade e paz. Não havia outro caminho
para essa conquista. Por isso, deveria ser paciente, descansando-se sob o Seu
cuidado.
Após conversar por longo
tempo com Caim, na tentativa de fazê-lo reconhecer sua necessidade de salvação,
Jeová voltando-Se para o casal, passou a consolá-los com a promessa do
nascimento de outro filho. Mais trinta e seis sacrifícios seriam contados, e
seus braços envolveriam o segundo filho. Nasceria também da dor, mas traria nos
olhos o brilho e o consolo da salvação. O seu testemunho de fidelidade ficaria perpetuado
por todas as gerações, no símbolo de um altar coberto de sangue.
As semanas iam se
passando, trazendo ao casal novas de alegrias e tristezas : de um coração cheio
de vida a pulsar no ventre de Eva, e de um vazio com cheiro de morte a crescer
no coração do jovem Caim. Ainda que ele tenha ficado deslumbrado ante a
manifestação de Deus, em nada essa aparição mudou-lhe sua maneira arrogante de
pensar sobre o sentido da vida. Ele não via sentido nos sacrifícios oferecidos
no altar. Nos dias que seguiram o seu encontro com o Criador, ele argumentava
com os seus pais dizendo: - Se eu fosse poderoso como o Eterno, eu jamais me
submeteria ao sacrifício para reconquistar o reino perdido. Ele é forte, e
brilha como o sol. Ele poderia com uma só palavra expulsar todas as trevas,
devolvendo-nos o paraíso. Para que tanto sofrimento?! Com essa argumentação,
Caim supunha-se mais sábio que o Criador. Quem sabe, num próximo encontro teria
oportunidade de aconselhá-Lo.
Dessa forma, o jovem Caim
aprofundava-se cada vez mais no abismo do orgulho e do egoísmo - lugar de
ilusões para onde se ia, pensando estar caminhando para a vitória. Não fora
Lúcifer juntamente com um terço das hostes celestes atraídos por essa mesma
ilusão?! O bondoso Deus , todavia, não selaria o destino de Caim sem antes
procurar de todas as formas salvá-lo da ruína eterna. Essa graça imerecida,
fruto do divino amor, seria concedida a todo o ser humano que viesse a nascer
neste mundo. Fim
Sem comentários:
Enviar um comentário