A religiosidade no período medieval
Autoria de Ana Carolina Lappe do
Prado Teixeira Neto
INTRODUÇÃO
O
contexto histórico do período medieval foi marcado por aspectos relacionados ao
terror: tortura, forte influência religiosa na vida do povo, bruxaria,
colheitas mal sucedidas, miséria, marginalização, violência, crescimento
demográfico acompanhado da falta de alimentos, supremacia do Estado perante os
súditos, desigualdade social. A partir do estudo desses aspectos, a tentativa
de se traçar um panorama da situação apresenta-se mais palpável.
Entretanto, a análise isolada dos componentes
históricos sem um olhar atento acerca da formação mental daquele período não é
satisfatória para a sua plena compreensão. A nossa inserção em outro paradigma
– obviamente bastante distinto do medieval – colabora com que vejamos outras
situações diferentemente, a partir dos olhos da própria sociedade na qual fomos
criados. Dessa forma, não é fácil, hoje, conceber a ideia de que torturar um
indivíduo em praça pública teria finalidade didática ao resto do povo.
Entretanto, a dor do condenado na Idade Média simbolizava aos demais a força do
Estado e de Deus para com aqueles que ousassem transgredir as regras políticas
e morais impostas. A tortura e a pena de morte, dentre outras medidas
sancionatórias, eram algo que, por constituírem práticas correntes na época,
justificavam-se e eram, de certa forma, dotadas de efetividade.
Destarte,
procura-se aqui lançar um olhar mais abrangente acerca da presença da
religiosidade no contexto social medieval, bem como uma breve análise das
práticas da Inquisição e das acusações de bruxaria por meio de casos concretos.
A
INFLUÊNCIA DA IGREJA NA SOCIEDADE MEDIEVAL
Europa,
ano de 1666, Elizabeth Cubon foi acusada de prática de bruxaria. Em um período
repleto de práticas ofensivas à integridade humana, a ré teve “sorte” em não
ter morrido queimada na fogueira. O contexto histórico da Inquisição iniciou-se
no século XIII e desde o seu princípio foi verificada a aplicação de
procedimentos penais tidos atualmente como agressivos e atrozes. O estudo de
tais procedimentos sancionadores deve estar acompanhado de uma análise histórica
dos costumes, crenças e valores vigentes na época, os quais nos ajudarão a
compor o paradigma vivido por aquela sociedade.
Hoje, com
a tendência de valorização cada vez mais incisiva dos direitos humanos,
direitos individuais, não é simples conceber as práticas de tortura utilizadas
pela Inquisição. Todavia, na vigência do século XIV, por exemplo, a soberania
da Igreja encontrava o seu poder no intenso temor a Deus compartilhado pela
maior parte da sociedade. Caberia à Igreja, assim, a função de salvar os fiéis
e de determinar a punição daquelas práticas que não condissessem com os ideais
morais da Santa Igreja.
Carlo
Ginzburg, em Mitos, Emblemas e Sinais, aponta de forma esclarecedora o
simbolismo da “alteza”, isto é, aquilo inatingível, o que também engloba o que
não deve ser questionado. Assim, reflete-se a manutenção desse simbolismo tanto
pela esfera política quanto pela esfera religiosa. No que concerne à esfera
política, havia a intenção excessivamente conservadora de manutenção da
hierarquia social e política, censurando-se de maneira atroz qualquer um que
ousasse desafiar a ordem Estatal. Frisa-se que a esfera religiosa atuava
conjuntamente com a política, de modo que uma reforçava o poderio da outra;
ademais, os dogmas religiosos eram incontestáveis: era vedado tentar conhecer
os segredos de Deus. Ginzburg aponta o uso político da religião como o mais
oculto dos segredos do poder.
Aliás, se
adotarmos essa perspectiva do autor, teríamos, nesse uso político da religião,
uma utilização indubitavelmente bem articulada.
Como
exemplo de a legitimidade do poder conter um fundamento religioso, o
historiador Quentin Skinner nos traz Bossuet que, em seu tratado Política
retirada das palavras mesmas das Santas Escrituras, em 1679, afirmava que “todo
súdito que resista às determinações de um rei, mesmo que este seja perverso,
“seguramente receberá a condenação eterna”, e ainda que “toda resistência à
autoridade constitui uma resistência ao mandamento divino” (p. 192).” (BOSSUET
apud SKINNER, 1999, p. 393).
Destarte,
e dado o poderio da Igreja, o principal instrumento por ela utilizado no
período da Inquisição era o terror, o qual era incitado tanto pelas práticas de
tortura e morte – havia incontáveis maneiras de se matar o indivíduo após a
tortura - quanto pela interferência constante da esfera religiosa na vida da
sociedade. Aliás, a eficácia da tortura e das penas capitais como teor didático
durou enquanto não tinha lugar a concepção individualista. É o que demonstra
Lynn Hunt em A Invenção dos direitos humanos: uma história. A princípio, o
objetivo principal da prática pública da tortura seria o de servir de exemplo
aos demais. Assim, as dores sofridas pelo condenado não pertenciam somente a
ele, tendo propósitos políticos capazes de reafirmar a autoridade estatal e a
ordem moral. Contudo, com o passar do tempo, essa questão mudou de figura, pois
pela visão individualista a dor era apenas do indivíduo. Dessa forma, não mais
caberia o sacrifício dele para o “bem” da comunidade. O corpo passou a ter um
papel distinto daquele que tinha no início dessa prática e as pessoas começaram
a se ver mais como indivíduos do que como mero “povo”.
Voltando-se
à interferência da Igreja, a intolerância a quaisquer exercícios de
questionamento adentrava a vida de cada um, tendo em vista que as denúncias
eram muito bem-vindas ao Tribunal do Santo Ofício. A obra Dar a Alma, de
Adriano Prosperi, demonstra essa intervenção do Santo Ofício na vida da mulher
solteira, em busca de encontrar possíveis ocorrências de infanticídio – o qual,
por sinal, era também rigidamente punido com a morte da mãe. Mais uma vez o
terror das punições constando como didático, isto é, quanto pior a punição,
mais claro ficaria à sociedade que as ordens impostas pela Igreja não deveriam
ser violadas em qualquer hipótese. Prosperi narra que na Carolina a
investigação de secretos infanticídios era extremamente invasiva no corpo
feminino:
[...]
bastava a presença de leite no seio ou, ainda mais, um crescimento e uma súbita
normalização do ventre para que tivesse início o inquérito e fosse justificável
o interrogatório com tortura. [...] Uma vez comprovado, seguia-se uma punição
extremamente severa[1].
A chamada
“visita ginecológica” consistia na inspeção periódica do corpo das mulheres
solteiras, o que revelava a desimportância da mulher, bem como o seu caráter
secundário: o seu corpo não era sequer um quesito de sua própria autonomia,
cabendo ao Estado e à Igreja decidir o que fazer ou não com ele.
A
justificativa implicava na importância da instituição familiar para a Igreja,
de modo que essa investigação seria legitimada por estar cumprindo os preceitos
divinos. Foi assim que, em 1556, na França, tornou-se obrigatório informar a
gravidez ao Estado. Ora, tal fato revela, e muito, a forte associação entre o
Estado e a Igreja - são muitos os historiadores contemporâneos que entendem que
o fim do Império Romano acarretou na perda de um sistema universal, isto é,
deixou uma lacuna a ser preenchida pelos novos Estados que, por sua vez,
buscavam essa universalidade na religião cristã. Assim, embora fosse uma medida
imposta pelo rei Henrique II, encontrava em seu seio uma justificativa de cunho
religioso, que norteava toda a sociedade da época. Aclara-se esse fato com a
diferença, citada pelo autor, entre o infanticídio dentro de uma instituição
familiar e o infanticídio praticado por mulheres que não eram casadas. Fato que
demonstra que o condenável não era puramente o infanticídio, mas principalmente
a sua prática por uma mulher que não compactuasse com o ideal de família da
Igreja.
OS
DELITOS DE FÉ
Como
vimos, o controle social exercido pelo Santo Ofício era bastante aprimorado e
qualquer ameaça a este modelo deveria ser banida de modo a não se proliferar.
Esse mesmo cenário deu lugar à caça às bruxas, uma longa perseguição com
históricos de tortura e matança em busca da “erradicação do mal”. Para Robert
Mandrou, o sistema mental que consistia na caça às feiticeiras era constituído
por três elementos básicos: uma forte crença cristã, uma experiência visível para
todos do processo judiciário vigente e, por fim, sentenças, fogueiras,
torturas, confissões e o que mais representasse o julgamento divino. Esses três
pilares compunham satisfatoriamente a tradição da época, colaborando com a
fundamentação e legitimidade do Poder Eclesiástico.
No que
tange à esfera do Direito Canônico, dentre os delitos quanto à fé estavam:
heresia, cisma, apostasia, blasfêmia, perjúrio, simonia, sacrilégio, magia,
dentre outros[2]. Cabe, aqui, ressaltar que tais delitos dificilmente poderiam
ser ocultados dos olhos dos Tribunais Eclesiásticos, uma vez que, como foi dito
acima, estes dispunham de tentáculos que lhes permitiam infiltrar-se dentro da
vida e da intimidade de cada um. A denúncia secreta era uma prática corrente na
época, e a Inquisição apenas necessitava de um pequeno rastro, de uma pequena e
aparente irregularidade, para desenvolver a sua investigação, dando
continuidade ao processo.
Todas as
pequenas querelas, todas as tagarelices de aldeia podem servir de base para
denúncias, e para testemunhos acabrunhantes como os que se seguem: a aparência
pouco atraente e a vestimenta do acusado, as extravagâncias do comportamento
[...] [3].
Iniciado
o processo, era possível que o acusado sequer soubesse do que se tratava, uma
vez que a denúncia era secreta e as provas testemunhais colhidas não lhe eram
transmitidas. No entanto, algo era imprescindível: era exigida deste a
confissão, a qual poderia ser obtida mediante a tortura, caso necessário. A
importância da confissão estava no que esta representava o arrependimento do
culpado, isto é, possibilitava demonstrar que este buscava voltar para o
rebanho, do qual, vale dizer, nunca deveria ter saído. Aos olhos de hoje,
pode-se discutir a possibilidade de a tortura ter ocasionado falsas confissões;
entretanto, para os olhos da Igreja da época, não era por ocorrência da tortura
que o acusado oferecia a confissão: para a Inquisição, se este confessava seu
crime, era culpado. O princípio da presunção de inocência estava às moscas, já
que quase nunca era utilizado. Evidente está que neste processo poucos
dispunham de uma defesa efetiva.
COM
RELAÇÃO À BRUXARIA
As
ocorrências de bruxaria no final do século XII não se deram por mero acaso. A
vida em uma sociedade tomada pela religiosidade fazia do dualismo Bem/Mal algo
necessário ao entendimento entre o que era permitido segundo os desígnios
morais/religiosos e o que era proibido. Desse modo, coube à Igreja apontar como
demoníaco tudo aquilo que contestasse a sua ordem, como a prática de bruxaria.
A ideia de que o Demônio estaria sempre na sociedade, pronto a provocar a
tentação e o cometimento do pecado, foi acompanhada da crescente presença de
bruxas, as quais estariam mancomunadas com o Mal.
Acrescenta-se
que as consequências das práticas de magia, as quais em grande parte possuíam o
intuito de dominar a natureza, ou mesmo de agir contrariamente a ela,
dificilmente poderiam ser explicadas na época segundo a Ciência. Isso
certamente corroborava com a sua condenação pela Igreja e com o juízo de que
aquilo seria fruto de forças ocultas. Com relação aos objetivos dos
sortilégios, esses eram os mais variados, podendo ter finalidade de adoentar,
encantar, tornar colheitas improdutivas, ocasionar tempestades, provocar a
impotência sexual - como nos seguintes trechos “feitiço de impotência, essa
operação perversa que pretendia impedir a consumação do casamento” (MANDROU,
1979, p.68) e também “ O diabólico feitiço de impotência traduz certamente uma
preocupação obsessiva largamente difundida” -, dentre muitos outros. Cabe aqui
uma ressalva de que a “fama” dada pela Igreja às bruxas certamente era superior
ao poder que realmente possuíam.
Pode-se
dizer – não, porém, sem a devida cautela - que é possível que mulheres tidas
como bruxas no período de sua perseguição pudessem ser pessoas com transtornos
psíquicos, não compreendidas. Ademais, o ambiente em que viviam, no qual a
superstição, a tradição e os mistérios eram demasiado presentes, também era em
parte responsável por sugestionar a presença de práticas de feitiçaria. A ordem
eclesiástica buscou coibir tais práticas de várias formas, sendo a fogueira uma
das mais famosas. Depois de um longo processo inquisitório, constando a
obtenção da sentença, a tortura, a confissão, etc., o corpo da feiticeira seria
lançado ao fogo para erradicar o mal nele presente – embora valha lembrar que
cada país possuía suas particularidades de como encarar os hereges. Robert
Mandrou cita que, juntamente com o corpo, objetos - como livros, facas,
imagens, e outros que pertencessem à bruxa - também eram queimados [4].
A caça às
bruxas era facilitada pela sua denúncia, que podia ser feita sem que estas
soubessem o seu delator. Nessas denúncias são frequentes os relatos
concernentes às finalidades dos sortilégios, descritas aqui anteriormente.
Esses
temores aldeões nutrem-se também por vezes da presunção imprudente das mulheres
reputadas como feiticeiras que se gabam de seus poderes extraordinários na
ocasião de uma tormenta ou de uma chuva há muito desejada. Por pouco que se
fundam coincidências e rancores pessoais, os testemunhos acumulam rapidamente
sobre os suspeitos todos os males: dores de rins, reumatismo, falsos partos e
perdas de aves domésticas[5].
É
interessante como a questão da colheita e da criação de animais é intensamente
abordada nos relatos que dizem respeito à bruxaria. No caso de Elizabeth Cubon,
o qual está anexado a este artigo, pode-se observar:
John Quay
complained that when Elizabeth frequented Keg ny How’s house there were great
losses in his cattle. As for his own crop after her visit in May, nothinge grew
but oats and darnell; that he did not reape of 2 dayes plowing of barley but
one bowle. Elizabeth frequented those places att the beginninge of every
quarter of the yeare and that his cattle died, and since he gott an oath of her
his cattle died not.
Além do
caso em questão, há diversos outros em que uma queda drástica na colheita era
tida como culpa das bruxas, ao passo que uma elevação na produtividade era
fruto da ausência das feiticeiras; logo então se afigurava a denúncia. Ginzburg
em Andarilhos do bem relata como os benandanti – tidos como os feiticeiros do
bem, os quais se diziam combater em causa da fé - afirmavam aos inquisidores
que, quando eram vencedores em sua luta contra as bruxas, a colheita era boa e
abundante. Em contrapartida, quando estes perdiam a luta contra as bruxas, a
colheita seria ruim.
Ora, qual
seria a relação entre bruxaria e produtividade da colheita? Mandrou realiza um
esclarecimento bastante oportuno quanto a isso. Primeiramente atesta-se que a
maior parte das perseguidas era miserável, o que automaticamente elimina o
benefício do confisco econômico de sua apreensão. E é justamente a miséria que
nos encaminha ao segundo ponto: os rebanhos e as colheitas estavam
constantemente entrando em crise, de modo que o desespero sem ter a quem pedir
auxílio era recorrente. Desse modo, a atmosfera de terror criada pela própria
estrutura da época contribuía com o terror gerado pela possibilidade de perda
do único sustento disponível àquelas pessoas. A necessidade de acusar alguém
pelas desgraças ocorridas e a imaginação condicionada pela superstição talvez
tenham sido os motivos de culparem-se as bruxas.
O mito de
que as bruxas possuíam o poder de se transformar em animais também era bastante
difundido. O caso de Elizabeth Cubon traz várias denúncias de que esta se
transformava frequentemente em uma lebre.
Two good
Samaritans, Henry Maddrell, of Ballamaddrell, and William Cubbon, of
Ballacubbon, stood surety for her. The main charges brought against her were
that she had cast evil spells upon cattle, crops, and churning ; that she could
transform herself into a hare ; and that she claimed the power to lessen or
increase a man’s store.
O curioso
é que o mito estava bastante disseminado, de modo que ter visto uma lebre no
campo – um local perfeitamente normal para a ocorrência desse animal – era
imediatamente associado à feiticeira em questão e à desgraça que adviesse em
seguida. Assim, quando William Tyidesley e Mr. H. Calcott andavam e comentavam
sobre Elizabeth Cubon, a égua de Mr. Calcott sofreu de um mal súbito e
posteriormente faleceu. Uma minúcia oportuna: haviam avistado uma lebre durante
o seu trajeto. O trecho segue:
[…]till
they returned to the very selfe same place where the sd Mr. Calcott said,
‘What, doe you call Elizabeth Cubon a hare’ and there his Mare fell sick that
she was not able to goe further, and was forced to leave her there and rid home
behind Capt John Stanley . . . . and his sd Mare came home after but soone
died.
Percebe-se
que, naquele momento histórico, a relação entre o que se pensava justificar e o
que de fato aquilo justificava era descoincidente: para aquela comunidade, tudo
de ruim era fruto de feitiçaria. Ao analisar o caso de Elizabeth Cubon,
observa-se que praticamente todos os relatos existentes contra ela são de
associações míticas da acusada com acontecimentos externos – não há provas de
fato que ela teria ocasionado a morte da égua, por exemplo. Entretanto, em
razão de naquela época não haver melhor explicação para os acontecimentos, era
cabível essa relação que se fazia.
Outro
ponto interessante ao qual nos reportamos é a dificuldade, por vezes ocorrida,
de a Justiça encontrar a prova dos frequentadores das cerimônias sabáticas. Uma
das provas mais procuradas e satisfatórias era a marca de insensibilidade,
também chamada de punctum diabolicum. Este era um sinal corpóreo que o Diabo
colocaria em seus seguidores, de modo que nesse ponto o acusado não sentiria
dor alguma e não correria sangue quando a agulha fosse retirada. “[...] a
procura da prova faz-se [...] com o concurso de médicos, de cirurgiões
barbeiros que começam por raspar todo o corpo do acusado [...]” (MANDROU, 1979,
p.78). Era comum a ideia de que o Diabo poderia proteger os acusados para que
estes não fossem descobertos, de modo que os juízes deveriam ser ainda mais
espertos.
Robert
Mandrou narra que um juiz responsável por um processo de feitiçaria era ocupado
pelo medo de que pudesse ser enganado pelas mentiras satânicas, o que o faria
desconfiar até das provas concretas; no séc. XVII, por exemplo, após uma
procura interminável do punctum diabolicum, os juízes concluíram que o demônio
teria interferido para ocultá-lo momentaneamente e enganar a justiça[6].
Como
dito, os métodos de punição das práticas de bruxaria variavam bastante de um
país para outro – enquanto um país empregava abundantemente a pena capital com
relação às bruxas, outro país aplicava penas predominantemente brandas. Lynn
Hunt nos conta, por exemplo, que a Grã-Bretanha tinha supostamente substituído
a tortura judicial pelos júris no sec. XIII, mas a tortura ainda ocorria nos
séculos XVI e XVII nos casos de sedição e feitiçaria.
Com o
tempo, verificou-se que a Justiça Comum foi ocupando o lugar dos Tribunais
Eclesiásticos no julgamento dessas práticas. No período de transição, em que as
duas Justiças julgavam as feiticeiras, por vezes a penitência da Justiça
Eclesiástica era mais branda, como se pode observar no caso de Elizabeth Cubon
Kewin:
“The
Sentence
Elizabeth
Kewin for useing of unlawfull meanes in the nature of sorcery as appears by the
foregoeing proofes is censured to doe 3 Sundayes penance in the parish churches
of Kirk Malue, Kirk Arborey and KK Christ Rushen with a scheadule on her breast
[…]”
CONCLUSÃO
Ao longo
desse breve panorama histórico relacionado a um paradigma diverso do nosso, um
dos maiores desafios é o de observar a realidade daquela época a partir da
neutralidade, mas sem perder a visão crítica. Ao iniciar-se este trabalho, as
práticas de tortura foram caracterizadas como atrozes aos olhos atuais. O
questionamento que se faz, então, é se os olhos atuais seriam os mais indicados
para se entender o paradigma medieval. Frisa-se que a concepção do que
constitui uma punição cruel sempre esteve intimamente associada às expectativas
culturais vigentes.
Assim
sendo, a tortura era encarada com grande naturalidade na Idade Média; era um
instrumento de aplicação da justiça. Além disso, pode-se dizer que era, de
certo modo, compatível com as rudes condições da vida medieval, de modo que a
sociedade não encarava com estranheza a ocorrência de penas capitais e de
tortura. Contestar as práticas vigorantes seria um ultraje, o que explica o
lento processo de desuso da tortura. A Igreja provavelmente adotou a prática da
tortura pelo fato de ela mesma estar inserida em um paradigma no qual esse
costume era comum; ademais, a Igreja influenciava o paradigma medieval e também
nele estava inserida.
Em última
análise, a tortura servia indiretamente para salvar uma alma, tendo em vista
que ela estava diretamente relacionada com a confissão e esta, como foi melhor
explicado no trabalho, com a salvação de uma alma no plano espiritual.
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