Arcanjo
Rafael e Tobias
Author : São João Bosco
São João Bosco escreveu a história sagrada pondo em
linguagem acessível a seus jovens alunos as comoventes passagens bíblicas.
Destas, uma das mais belas é a narração da viagem de Tobias, que teve por anjo
da guarda o próprio São Rafael, "um dos sete espíritos que estamos
continuamente na presença de Deus".
Enviado pelo pai - também chamado Tobias - a uma
terra desconhecida, o jovem viajante pediu a um desconhecido que o
acompanhasse, o qual era um anjo que assumira aspecto humano, e que dissera
conhecer o caminho. Tobias, além de cumprir a missão retornou com um
remédio para curar a cegeira que seu genitor adquirira em um acidente.
Recobrada a visão, pôde o velho Tobias ver a esposa do filho - que se casara na
viagem - e as riquezas trazidas no retorno. E, para surpresa de todos, no
momento dos agradecimentos o guia da viagem revelou-se como sendo o arcanjo
Rafael.
São Rafael é atualmente considerado como o padroeiro
dos viajantes.
A HISTÓRIA DE TOBIAS
O reino de Israel durou duzentos e cinqüenta e quatro
anos, e teve dezenove reis, todos ímpios. Freqüentemente mandou-Ihes Deus
profetas para admoestá-los e levá-los a eles e a seus súditos à prática do
verdadeiro culto, mas inutilmente. As ameaças dos profetas foram desprezadas e
os mesmos profetas foram encarcerados, exilados ou mortos. Tantas iniqüidades
esgotaram a misericórdia do Senhor, que entregou o povo e o rei de Israel nas
mãos de seus inimigos. O último rei de Israel foi Oséias, sob cujo governo teve
fim aquele reino.
No princípio ele tentou libertar-se do jugo dos
Assírios de quem se tinha tornado tributário; mas, indignado, Salmanassar, rei
da Assíria, marchou com poderoso exército para expugnar Samaria. Depois de três
anos de cerco, apoderou-se da cidade, prendeu Oséias e meteu-o a ferros. Depois
de submeter todo o reino ao seu poder, levou o rei e o povo para a Assíria e
para a Média, donde não mais voltaram.
Os Israelitas na Assiria
Os Israelitas padeceram na Assíria duríssima
escravidão; muitas vezes faltou-lhes um pedaço de pão para matarem a fome e um
trapo para se vestirem. Muitos foram assassinados e seus cadáveres atirados
fora dos muros da cidade para servirem de pasto às aves de rapina e a outros
animais ferozes, sem que se lhes pudesse dar sepultura, sendo isto proibido por
uma lei desumana. Assim aquele povo, que fora surdo aos repetidos avisos dos
profetas do Senhor, pagava o duro preço de suas infidelidades.
Virtude de Tobias
Deus, que é sempre bom, mandou um consolador aos
pobres Israelitas. Foi o piedoso Tobias, homem educado no santo temor de Deus,
grandemente estimado pela sua piedade e paciência.
Levado ao cativeiro com os outros, à vista de seus
irmãos oprimidos, dedicou-se ao santo mister de consolar os aflitos, de
alimentar e vestir os necessitados e sepultar os mortos. Quando sabia que um
Israelita morto era atirado em qualquer canto, deixava o que estava fazendo e
'aproveitava da escuridão da noite para enterrá-lo.
O rei cruel, tendo notícia de semelhantes fatos e de
como Tobias dispensava seus bons ofícios aos seus irmãos de exílio, mandou que
fosse espoliado de todos os bens e condenado à morte. Apesar disso, o Senhor
conservou-lhe a vida: fugindo à cólera do rei, ficou escondido por algumas
pessoas piedosas, em companhia de sua mulher e seu filho. Pouco depois, tendo
sido assassinado esse rei cruel, pôde Tobias continuar no desempenho de seu
piedoso mister. Um dia, tendo-se sentado à mesa para jantar, veio seu filho
adverti-lo de que haviam deixado na praça um cadáver. Levantou-se imediatamente
da mesa, foi buscar o cadáver e o ocultou em casa, sepultando-o depois durante
a noite, mostrando assim quanto era constante e qual o seu ardor no exercício
da caridade.
Paciência de Tobias
A virtude de Tobias foi experimentada por Deus com
grandes tribulações. Uma ocasião, após ter passado a noite inteira a dar
sepultura aos mortos, voltava para casa ao clarear do dia, e prostrado de
cansaço deitou-se perto de um muro sobre o qual havia um ninho de andorinhas, e
ali adormeceu. Durante o sono caiu-lhe nos olhos um pouco de cisco quente do
ninho daqueles passarinhos e ficou cego. Nesse mísero estado, conservou-se
sempre fiel ao Senhor. Nada temia tanto como o pecado e até a sombra dele. Sua
mulher que o sustentava com o seu trabalho, levou para casa um dia um cabrito
que lhe haviam dado como paga. O cego, ouvindo-o berrar, disse: Vê lá que esse
cabrito não tenha sido roubado! Se o foi, mulher, volta imediatamente a restituí-lo
ao seu dono. Não devemos lançar mão da mínima coisa pertencente aos outros.
Recomendações de Tobias
Oprimido por tantas desventuras, Tobias pediu ao
Senhor que o chamasse à outra vida. Supondo que Deus ouvira o seu pedido, deu
ao filho estas lembranças: Meu filho: recomendo-te que respeites sempre tua mãe
e nunca te esqueças do que ela sofreu por ti. Não se apague ele tua mente a
imagem de teu Deus e guarda-te do pecado e de fazer algo contra os mandamentos
divinos. Tem compaixão dos pobres e Deus terá compaixão de ti. Faze esmola; se
tiveres pouco, desse mesmo pouco dá o que puderes, mas dá de boa vontade. A
esmola apaga os pecados, faz achar misericórdia diante de Deus e conduz à vida
eterna. Nas dúvidas, aconselha-te com homens prudentes, mas não te associes
nunca aos perversos. Foge da soberba e preserva-te da impureza.
O filho, todo comovido, respondeu-lhe: Meu pai,
farei tudo quanto me disseste. E manteve fielmente a sua promessa.
Tobias manda seu filho a Rages
O bom Tobias não morreu então, como supunha. O
Senhor conservou-lhe a vida para fazê-lo gozar inefáveis, consolações, por meio
de seu filho chamado também Tobias. Um dia disse o velho a seu filho: Tobias,
emprestei dez talentos de prata a Gabel, que reside em Rages, cidade da Média. Eis
o documento relativo. Apresentando-lho, ele te restituirá logo o dinheiro. Mas
como tu não sabes o caminho, vai procurar algum amigo fiel que te possa guiar.
O filho obediente saiu de casa e encontrou um jovem prestes a empreender uma
viagem. Ignorando que o desconhecido fosse um anjo de Deus, disse-lhe
delicadamente: Bom jovem, quem és tu? Conheces a estrada que conduz à Média? E
o jovem respondeu: Eu sou Israelita e conheço bem o caminho de que falas, pois
morei muito tempo em Rages, na casa de Gabel. Tobias, com o consentimento do
pai, partiu com o anjo Rafael, que disfarçado sob aparência humana e sem dar-se
a conhecer, prontificou-se a acompanhá-lo.
Chegando à margem do Tigre, um peixe monstruoso
atacou o jovem Tobias, e já parecia que ia devorá-lo, quando o Arcanjo lhe
disse que não temesse e que segurasse o peixe, o matasse e lhe tirasse o
fígado, com o qual faria um remédio para curar o pai.
Uma viagem iniciada sob tão bons auspícios não podia
terminar senão próspera e feliz. E de fato, o anjo não só fez com que Tobias
recebesse o dinheiro que fora buscar, como também procurou, e conseguiu que o
mesmo desposasse uma rica e virtuosíssima donzela de nome Sara, filha única de
Raguel.
Volta do filho. Cura e santa morte do pai
Entretanto, Tobias e sua mulher esperavam ansiosos
pela demora. Muitas vezes a mãe, do alto de um monte, procurava impaciente ver
se o descobriria ao longe. Por muitos dias foi vã a sua expectativa. Finalmente
avistou-o um dia e satisfeitíssima, correu a dar a boa nova ao marido. O velho
Tobias, apesar de cego, quis ir ao encontro do amado filho. Os pais o abraçaram
com ternura. Isto era apenas o início das grandes consolações que ao velho
Tobias queria a bondade divina conceder.
O jovem Tobias unge os olhos do pai com o fel do
peixe, e o velho imediatamente recupera a vista, e pode ver, não somente o
filho amado, mas ainda observa a esposa, admira suas singulares qualidades e as
grandes riquezas que trouxera consigo. Espalhada a noticia da volta do filho de
Tobias e de como o bom pai tinha sido curado, seus parentes se reuniram para
dar graças ao Senhor e festejar o acontecimento. Em presença de todas essas
pessoas, enumerou o filho os solenes benefícios que havia recebido do
companheiro de viagem, que ainda julgava ser um homem. Querendo de alguma
maneira recompensá-lo, pediram-lhe quisesse aceitar metade das riquezas que
havia trazido. O anjo então deu-se a conhecer e disse ao velho: Agora é tempo
de eu manifestar a verdade. Quando sepultavas os mortos e te ocupavas em obras
pias ou em fervorosas orações, eu oferecia tudo ao Senhor. E porque êle te
amava, quis que a cegueira aumentasse teu merecimento; depois mandou-me Deus a
mim para curar-te e trazer-te todos estes bens. Pois que eu sou o anjo Rafael, um
dos sete espíritos que estamos continuamente na presença de Deus. Louvai, pois,
ao Senhor e contai a todos as suas maravilhas. Dito isto, desapareceu. Eles
ficaram por três horas prostrados no chão bendizendo o nome de Deus.
Tobias viveu ainda quarenta e dois anos; sentindo,
depois, que se avizinhava a hora de sua morte, chamou o filho e recomendou-lhe
que se mantivesse fiel e constante no santo serviço de Deus. Depois serenamente
expirou, na paz do Senhor, com cento e dois anos de idade.
O filho atingiu a idade de noventa e nove anos. Ele,
seus filhos e netos imitaram as virtudes paternas; por isso foram sempre
benquistos dos homens e abençoados por Deus.
FONTE: texto extraído de História Sagrada, de São
João Bosco (Livraria Salesiana Editora, São Paulo, 1944, 8 ed), com adequação
redacional-ortográfica.
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